i75935.jpgO Brasil venceu uma batalha ao trazer para o âmbito do G-20 as discussões sobre a crise na economia mundial, mas ainda está longe de vencer a guerra e emplacar a sua teoria de que somente os países desenvolvidos devem pagar pela crise. "Não esperem muito do G-20. É apenas um começo, ainda que promissor", disse o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, sobre a reunião do grupo em Washington no último fim de semana. Mas ele mostrava satisfação por estar finalmente participando do grupo que vai discutir e possivelmente coordenar posições não apenas emergenciais, mas que podem resultar num redesenho de todo o sistema financeiro internacional. "Antes, quem se reunia era o G-8. Agora, é o G-20 que vai tomar decisões", comemorou o presidente em uma mesa-redonda com líderes dos três maiores sindicatos italianos, na visita que fez ao país na semana passada. O Brasil já vem sendo, há vários anos, convidado para participar das reuniões do G-8 (Estados Unidos, Japão, Alemanha, França, Reino Unido, Itália, Canadá e Rússia). Depois de um tempo, começou a reclamar que era chamado "somente para o cafezinho", nas palavras do ministro Guido Mantega, e queria também desfrutar do prato principal. Agora, em vez de brigar para entrar no clubinho, o que o Brasil fez foi trazer a discussão sobre o futuro da economia mundial para o clube do qual já fazia parte.

"Os EUA estão no centro dos problemas. Já os emergentes serão os motores do crescimento econômico" Lex Rieffel, do Instituto Brookings

Criado em 1999 para lidar com as crises, o G-20 é formado por ministros da Fazenda e presidentes de bancos centrais. A seriedade da crise atual levou o francês Nicolas Sarkozy, presidente rotativo da União Européia, a pressionar os Estados Unidos a convocar um encontro que reunisse os chefes de Estado e de governo.

O Brasil quer discutir a crise e também ter o direito de dizer aos países ricos que eles devem fazer alguma coisa para evitar que as conseqüências da "crise deles", como disse o presidente Lula, se espalhem para o resto do mundo, abortando o crescimento dos emergentes, como ameaça ocorrer no ano que vem. Ao mesmo tempo, o País se recusa a dividir a conta. "Se houver medidas dolorosas, tem que ser da parte deles", diz um representante do governo brasileiro. Na prática, isso significa que os países ricos devem coordenar políticas anticíclicas – aumentar gastos públicos, reduzir os juros – para que suas economias voltem a crescer e, com isso, o Brasil e os emergentes tenham para quem exportar e continuem recebendo os investimentos externos, como aconteceu nos últimos anos.

Surpreendentemente, apesar da aparente contradição de posições, o Brasil vem sendo ouvido em Washington. "Os Estados Unidos estão no centro dos problemas. Já os emergentes, como Brasil, Índia e China, serão os motores do crescimento econômico do futuro.

É óbvio que eles devem ser representados nas discussões sobre a reforma do sistema", disse à ISTOÉ o economista Lex Rieff el, pesquisador do Instituto Brookings e professor da Universidade George Washington, na capital americana. Ele diz que o G-20 é o fórum correto para estas discussões, porque o G-7 ou G-8 representam apenas uma parcela da economia moderna. E por que o Brasil? "É uma grande economia e demonstrou nos últimos 20 anos um alto nível de sofisticação, com pessoas qualificadas que sabem negociar", afirma Rieff el. Peter Hakim, presidente do Diálogo Interamericano, centro de estudos das relações hemisféricas, em Washington, tem posição semelhante. "O Brasil tem uma reputação muito boa de profissionais com muito conhecimento e bem preparados para discutir essas questões", disse ele à ISTOÉ. Além disso, a seriedade das políticas e o bom desempenho econômico do País nos últimos anos o tornam um ator importante no cenário global.

DILMA É O NOME DELE
Durante seu périplo pela Itália, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi recebido em audiência pelo papa Bento XVI e se encontrou com o primeiroministro Silvio Berlusconi. Mas o que realmente ocupou a agenda presidencial foi a política brasileira, principalmente a candidatura da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, que integrou a comitiva. Numa entrevista coletiva aos jornais italianos, Lula reconheceu que Dilma é sua preferida para sucedê-lo no Palácio do Planalto em 2011. "Eu tenho na cabeça o nome de Dilma", disse o presidente. "Eu ainda não falei com ela, mas creio que ela poderá ser uma boa candidata", acrescentou. "Queria que o Brasil, depois de mim, fosse governado por uma mulher e já existe a pessoa ideal: Dilma Rousseff." Lula declarou aos jornalistas que iria propor o nome da ministra ao PT e aos partidos da base aliada, mas reconheceu que "não será fácil ganhar". Mesmo assim, ele garantiu que não se engajará na disputa no ano que vem.

"Quem estiver esperando que eu faça campanha em 2009, pode tirar da agenda, pois 2009 é o ano de o governo consagrar as obras do PAC."

Dilma não fez declarações, mas a repercussão da entrevista a deixou muito bem-humorada. Junto com os ministros Celso Amorim, Luiz Dulci, Nelson Jobim e a primeira-dama, Marisa Letícia, ela acompanhou Lula no Vaticano na audiência com o papa Bento XVI na quinta-feira 13. O presidente disse ter pedido ao pontífice que falasse da crise em seus sermões. "Se todo domingo ele der um conselhozinho, quem sabe a gente encontra mais facilidade para resolver o problema?", disse. Dias antes, na terça-feira 11, Lula foi recebido pelo primeiro-ministro Silvio Berlusconi, que lidera o governo de centro-direita da Itália. Apesar das diferenças políticas, os dois mandatários se entenderam muito bem – o italiano chegou a dizer que o brasileiro era "simpático e afável". Lula e Berlusconi anunciaram que Brasil e Itália vão trabalhar de forma coordenada para "definir um novo sistema financeiro mundial" e vão propor, na reunião do G-20 em Washington, a criação de uma "economia menos especulativa".

Além das economias cruciais, como a Europa vista em conjunto, Estados Unidos, China e Japão, Hakim diz que os países realmente importantes para a economia global são Brasil, México e Índia. "O equilíbrio da economia mundial mudou, os países da periferia cresceram muito, a mentalidade tradicional de se resolver tudo em circuito fechado do G-7 não funciona mais. É importante substituir o G-7 pelo G-20, em nível presidencial", acrescenta o representante do Brasil no FMI, Paulo Nogueira Batista Júnior.

A crise financeira também ajudou a ressuscitar o Fundo Monetário Internacional. Nos últimos anos, quando países importantes como Brasil, Argentina e Turquia pagaram suas dívidas, parecia que o organismo tinha se tornado irrelevante. Mas a crise atual recolocou a instituição novamente no centro das decisões. Um exemplo é o empréstimo concedido à Islândia, o primeiro para um país de renda alta em mais de 30 anos. "O FMI deve estar no centro do gerenciamento da economia mundial", diz o professor Rieffel.

Na opinião do economista Barry Eichengreen, da Universidade da Ca lifórnia, são necessárias várias instâncias decisórias para lidar com a crise, mas todas elas incluem o Brasil, um país que, na avaliação dele, é o representante natural da América Latina. Para os problemas emergenciais, Eichengreen recomenda um grupo for mado por Estados Unidos, União Européia, Japão, China, África do Sul, Brasil e Arábia Saudita. Já para uma discussão sobre a reforma do sistema financeiro como um todo, ele acha que o FMI, com 182 membros, é o foro mais apropriado.

"Tudo depende da urgência. Alguns assuntos têm que ser resolvidos logo, numa conferência telefônica, e para isso é preciso um grupo enxuto e representativo", disse à ISTOÉ.

Além de uma maior coordenação entre as economias para solucionar e tentar prevenir crises, o governo brasileiro tem outra bandeira: evitar o protecionismo e o fechamento das fronteiras. Lula defende a retomada das negociações da Rodada Doha de liberalização do comércio internacional. Bush, num discurso em Nova York um dia antes de receber os presidentes do G-20 em jantar na Casa Branca, defendeu o capitalismo e a manutenção dos mercados abertos para comércio e investimentos. Ele disse que foi a reação protecionista do Congresso à crise de 1929 que aprofundou a recessão. "Líderes de todo o mundo precisam ter esse exemplo em mente e rejeitar a tentação do isolacionismo", afirmou. Neste aspecto, as agendas brasileira e americana são coincidentes. Resta saber quanto disso será possível colocar em prática nos próximos meses e em que medida a coordenação de políticas será capaz de evitar o prolongamento da recessão que já começou no hemisfério norte.