Milhares de crianças que aguardam ansiosas os presentes do Papai Noel não imaginam a guerra que se trava nos bastidores da indústria de brinquedos. De um lado, a Associação Brasileira dos Fabricantes de Brinquedo (Abrinq) avança com a proposta de salvaguarda contra os brinquedos importados da China. De outro, varejistas e importadores, reunidos sob o Movimento pela Liberdade de Escolha do Brinquedo, unificam o discurso em protesto ao protecionismo a empresas ineficientes. Está em jogo um mercado que movimentou R$ 950 milhões no ano passado, segundo a Abrinq. Estudo da FIA, uma fundação ligada à Universidade de São Paulo, aponta crescimento de 17,2% nas vendas para o Natal deste ano, o que esquenta ainda mais o embate. No centro da questão está a China, país produtor de quase 75% dos brinquedos do mundo, cuja pauta de exportação para o segmento alcança US$ 5,5 bilhões e abriga fábricas das maiores companhias do setor. Desde que a China ingressou na OMC em 2001 – e o Brasil a reconheceu como economia de mercado –, o País tem direito a impor salvaguardas para proteger setores da indústria nacional. Foi o gancho sonhado pela Abrinq, que na sexta-feira 23 irá solicitar, por quatro anos, a redução de 70% (em quilos) do total de brinquedos chineses importados no ano de 2005.

As salvaguardas não são novidade para o setor. A indústria de brinquedos é
uma das únicas do País a contar com esse mecanismo de proteção. Por décadas, os fabricantes nacionais tiveram reserva de mercado. A abertura de mercado do
ex-presidente Fernando Collor e a chegada dos concorrentes internacionais castigaram os fabricantes nacionais, causando um quebra-quebra generalizado. Por isso, desde 1996 cobra-se 9% de imposto, além dos usuais 20% de importação. “Na época, foi pedida uma salvaguarda genérica, até para produtos que não são produzidos no Brasil. É a solução mais equivocada para o problema”, defende Ronald Schaffer, diretor da Mattel, maior produtora de brinquedos do mundo (fabricante da boneca Barbie) e que tem 70% da sua produção em território chinês. “Quando se protege o ineficiente, o consumidor paga a conta”, afirma Schaffer. O movimento entende que a salvaguarda afetará o direito do consumidor de acesso ao que há de melhor e mais moderno no mundo dos brinquedos. Oficialmente, hoje, 50% do mercado está nas mãos dos fabricantes nacionais, 40% dos importados e 10% de contrabando e pirataria.

A Abrinq está brigando para substituir a sobretaxa de 9% pela nova salvaguarda (limitar a importação em quilos) e afirma que não admite concorrência desleal.
“De 1997 para cá, muitos importadores passaram a subfaturar as mercadorias
para burlar a salvaguarda. A alíquota virou zero”, afirma Synésio Batista, presidente da entidade. Sobre o movimento, Batista diz que “são grupos de brasileiros tolinhos sendo comandados por multinacionais”. E mais: “Há quatro anos, a Mattel, multinacional americana e líder do movimento, tinha 0% do mercado. Em 2005,
terá 20%. É uma estupidez americano vir palpitar no Brasil”, diz. Segundo ele, o Brasil produz 4,5 mil brinquedos diferentes, número suficiente para atender todos
os gostos.

Não é o que pensa Eliana Rubbo, gerente da PBKids, uma das maiores redes
de lojas para crianças do País. “O Brasil tem dificuldades, mas não podemos
privar o consumidor do que há de melhor no mundo. Cerca de 60% dos produtos
nas nossas lojas vêm da China. É como botar o pirulito na boca da criança e
depois tirar”, compara. Quanto à adesão dos varejistas ao movimento, Batista
foi literalmente dramático. “A indústria nacional é que financiou o varejo brasileiro. Me sinto traído, apunhalado pelas costas. Quando eles precisam da gente,
são uns amores, mas é só aparecer um carinha de olho puxado que viramos amantes”, ironiza.

Câncer – Mas o pior dessa briga ainda está para acontecer. Os dois lados acenam com demissões e reestruturação caso percam a batalha. Segundo a Abrinq, 28 mil empregos diretos estão ameaçados pelo “surto de importação”. Varejo e importadores afirmam ser impossível manter a atual estrutura com a nova salvaguarda (só a Mattel tem mais de 1,7 mil pontos-de-vendas). Para resolver essa questão, Schaffer sugere que o governo faça uma planilha para ver quem paga mais imposto e gera mais emprego, se o nacional ou o importado. “Durante muito tempo a Abrinq foi voz única”, diz Schaffer, lembrando que as salvaguardas só incentivaram o contrabando (“o real câncer do setor”), fizeram os brinquedos perder mercado para celular e afins e tornaram os produtos mais caros, impedindo o acesso da maior parte da população. Nessa briga, criança não entra.