Numa missa em Tietê, interior de São Paulo, onde nasceu, o garoto Michel impressionou-se com uma palavra escrita nos vitrais da igreja: temperança. A palavra nova, esquisita mas imponente, misteriosa como o templo que o abrigava, inédita na vida e no vocabulário daquele moleque de sete anos e atitudes educadas, estava escrita ao lado de outras três – sabedoria, bondade e caridade. Todas são virtudes, hábitos que levam o homem para o caminho do bem. Ouvido o “vamos em paz e que o Senhor nos acompanhe” do padre, o menino curioso rumou para casa e parou nas folhas amareladas do dicionário. Descobriu que a palavra nova significa moderação, o tempero do equilíbrio aplicado às coisas para o bem do maior número possível de pessoas. “Na verdadeira democracia, é preciso temperar tudo para conseguir o convívio adequado entre os setores sociais”, proclama o hoje deputado federal e presidente nacional do PMDB Michel Temer, 65 anos, desde aquela ocasião um seguidor fiel daquela recomendação cristã. “Precisamos compreender que a sociedade é multifacetada. Por isso, necessitamos de harmonia entre os segmentos. O bem não está só do nosso lado nem o outro é sempre o mal.”

Presidente da Câmara dos Deputados de 1997 a 2000 e duas vezes secretário de Segurança Pública de São Paulo (nos governos Montoro e Fleury), o advogado Temer, especialista em direito constitucional, achava que já tinha chegado ao ápice de sua carreira quando foi procurador-geral do Estado em 1983. Depois disso, conquistou espaços maiores na política driblando sempre a radicalização. Foi aliado de figuras antagônicas como o ex-presidente Fernando Henrique, José Serra e os ex-governadores de São Paulo Orestes Quércia e Luiz Antônio Fleury Filho. Em 2002, ele e o ex-ministro José Dirceu conseguiram incluir o PMDB numa coalizão que selaria a participação do partido no governo Lula. O acordo só não foi adiante porque Dirceu acabou desautorizado pelo atual presidente da República.

Se assumisse posturas radicais, jamais conseguiria dirigir o PMDB, um partido dividido entre governistas, oposicionistas e, sobretudo, indecisos. Manter-se à
frente dessas correntes sem perder a autoridade foi o maior feito político do
deputado em 2005. “Incentivei a tese da candidatura própria numa reunião de governadores em São Paulo e num encontro envolvendo presidentes de diretórios
em Brasília. Isso resultou numa convenção nacional e na formalização da proposta. Hoje, é consenso”, comemora.

É, como gosta de lembrar, um libriano típico: conciliador, discreto, observador e, numa conversa, muito mais atento às entrelinhas do que às ênfases. Sua família católica veio de Betabura, na região de El Koura, Norte do Líbano. O pai, o comerciante Miguel Temer, chegou em 1925 em Tietê, onde comprou uma chácara e instalou uma máquina de beneficiamento de arroz e café. Enquanto o irmão mais velho, Tamer, ajudava o pai nos negócios, Temer e os outros seis menores vieram estudar na capital paulista. Com 16 anos, iniciou o clássico (antigo colegial) e, anos depois, entrou na tradicional Faculdade de Direito da USP.

Considerava-se de centro-esquerda e chegou a candidatar-se à presidência do centro acadêmico da faculdade. O prestígio do CA era tanto que recebeu na época um telefonema do então presidente da República, João Goulart, prometendo comparecer à sua posse. Perdeu a disputa para o colega Oscarlino Marçal, já falecido, que depois o lançaria candidato à presidência do Diretório Central dos Estudantes (DCE). Mas na última hora o amigo José Serra, na época presidente da União Estadual dos Estudantes (UEE), e Arnaldo Madeira, militante do Partido Comunista Brasileiro (PCB), Partidão para os íntimos, pediram para que Temer abrisse mão da candidatura em favor de outro nome. Ele concordou. “Anos depois, quando concorria à presidência da Câmara, o Serra, ministro de FHC, e o Madeira, deputado, disseram que iam pagar uma velha dívida e levaram o PSDB a apoiar o meu nome.”

O primeiro cargo na carreira política foi o de oficial de gabinete de seu ex-professor Ataliba Nogueira, secretário de Educação de Adhemar de Barros. “Era um homem sábio, foi constituinte em 1946. Dizia que eu precisava advogar, escrever e, se possível, fazer política.” Um grande sonho de Temer era participar da Assembléia Nacional Constituinte. Quando ocupou a secretaria de Segurança do governo de Franco Montoro em São Paulo, conversou com ele sobre essa possibilidade. Recebeu incentivo para disputar a eleição, em 1986.

Temer dirigiu o curso de pós-graduação da Faculdade de Direito da PUC-SP e deu aulas na Faculdade de Direito de Itu. É autor dos livros Constituição e política, Territórios federais nas Constituições brasileiras, Seus direitos na Constituinte e Elementos do direito constitucional, este último na 20ª edição, com 200 mil exemplares vendidos. Tem quatro filhos: Luciana, 36 anos, ex-secretária da Juventude no governo de Geraldo Alckmin, em São Paulo; as psicólogas Maristela, 33, e Clarissa, 30; e o caçula Eduardo, sete. Há dois anos e meio, casou-se com a estudante de direito Marcella Tedeschi, 23.

Na Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, liderou inovações. Após receber, em 1985, uma comissão que denunciava o espancamento de mulheres e o descaso de autoridades diante dos crimes, decidiu criar a Delegacia da Mulher. Na mesma época, instituiu a Delegacia de Proteção aos Direitos Autorais, antevendo a onda de pirataria de produtos e idéias. No Legislativo, a conciliação e a discrição, aliadas a um pouco de ousadia, sempre ofereceram a ele um bom caminho. E se todas as realizações são fruto de suas virtudes, a mais marcante delas é aquela mesma, batizada com a palavra inédita na vida e no vocabulário do moleque de sete anos e atitudes educadas. Hoje menos esquisita aos olhos do advogado parlamentar, mas ainda imponente e misteriosa como o templo que o abrigava naquela distante missa.