Com dois livros escritos e
mais de 60 artigos científicos publicados, a pediatra e infectologista Regina Célia de Menezes Succi é uma das maiores especialistas em Aids em crianças do Brasil. Professora
do Departamento de Pediatria
da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), coordena desde 1987 o Centro de Atendimento
da Disciplina de Infectologia Pediátrica (Ceadipe), o ambulatório da universidade que atende
crianças com Aids. Por lá já passaram mais de dois mil pacientes.
Num estudo inédito no País, Regina e sua equipe trazem uma boa
notícia: a taxa de transmissão de mãe para filho no Brasil caiu de 8,6% em 2000 para 3,7% no ano passado – uma diminuição de quase dois terços. Regina falou a ISTOÉ.

ISTOÉ – A sra. cuida há quase 20 anos de crianças e jovens com Aids. O que mudou nesse período?
Regina Succi –
As mortes entre essa população estão diminuindo. Este ano, tivemos na Unifesp apenas um falecimento de criança com Aids. Na década de 80, tínhamos até dois óbitos por mês. Cuidávamos de uma criança com a sensação de que, independentemente do que fizéssemos, ela morreria antes de chegar à adolescência. Hoje a doença está associada à esperança. O meu paciente mais velho infectado no nascimento completará 18 anos e está muito bem.

ISTOÉ – Já pode, então, ter filhos. Surgirão filhos de jovens que foram infectadas por suas mães?
Regina –
Ainda não tivemos nenhum caso de bebê infectado por transmissão vertical – de mãe para bebê – que tenha tido filhos, mas
isso vai ocorrer em breve. Espero que todos os pacientes que atendemos cheguem bem à idade adulta e virem pais. Como digo que todos os pacientes são meus filhos, devo ter netos aqui dentro.

ISTOÉ – Essa terceira geração nascerá sem o vírus?
Regina –
Tudo leva a crer que sim. Se a mãe não faz o acompanhamento necessário a partir do pré-natal, a taxa de transmissão para o bebê é
de 20% a 40%. Mas nosso estudo mostra que, no ano passado, a taxa
foi de 3,7% no Brasil. Dois anos antes, era de 8,6%. Isso se deve ao diagnóstico precoce da infecção na gestante e ao uso de medidas
para diminuir a transmissão para o recém-nascido. Na Unifesp, a taxa
de transmissão vertical é praticamente zero. Desde 1998, foram registrados apenas dois casos.

ISTOÉ – Que medidas diminuem a transmissão vertical?
Regina –
Administramos drogas como o AZT antes e durante o parto
para diminuir a carga viral e os riscos da contaminação, que ocorre principalmente quando o bebê passa pelo canal de parto, cheio de secreções ricas em HIV. Além disso, temos de impedir que a mãe contaminada amamente, pois o vírus também é transmitido pelo aleitamento materno.

ISTOÉ – O teste de Aids em gestantes é prática no País?
Regina –
Felizmente, os médicos têm oferecido o exame a suas
pacientes grávidas. Toda gestante deve fazer o teste. Até aquela
que se acha absolutamente isenta de risco precisa fazer. É um direito dela e do bebê. Não é para nenhuma gestante se sentir ofendida. No meio da década de 90, a maioria das mulheres não fazia o teste. Por
isso, o diagnóstico da criança era muito frequentemente o primeiro da família, ou seja, a criança adoecia primeiro e só depois descobríamos que a mãe e o pai estavam infectados.

ISTOÉ – Que conselhos a sra. dá à mulher soropositiva que
deseja engravidar?
Regina –
Não aconselho uma mulher soropositiva a ter filhos, pois ela
terá de se dedicar a eles e terá menos tempo para cuidar de si mesma.
É mais prudente que, se decidir mesmo ser mãe, tenha apenas um
filho. Conheço uma mulher infectada que teve seis filhos. Nenhum deles herdou o vírus.

ISTOÉ – Como convencer uma mulher casada a usar camisinha e evitar a contaminação?
Regina –
A questão é como convencer o marido dessa mulher a se proteger. Isso ainda está longe de mudar, pois a mulher latina, de modo geral, não tem o direito sobre sua atividade sexual. O sexo não é uma coisa partilhada pelos dois. Se ela disser que não quer fazer sexo sem camisinha, é capaz de apanhar.

ISTOÉ – Como dar a notícia de que a criança está infectada?
Regina –
Na hora da coleta do sangue, já preparo o paciente. Falo que um resultado positivo não é o fim do mundo. Digo que a doença é tratável e que as pessoas convivem muito tempo com o vírus. Mas algumas vezes é muito triste. Temos como hábito dar a notícia com muito carinho.

ISTOÉ – Como é para um pediatra lidar com a morte de pacientes?
Regina –
É o momento em que somos mais testados. A gente cria laços afetivos. Não quero ficar imune ao sofrimento e perder a sensibilidade. Todas as vezes que perco um paciente, me dou o direito de ficar muito triste, de chorar. Não preciso ser forte. Me envolvo sim e sofro junto com a família. Fico de luto. É muito doloroso.