Luiz Marinho, presidente do Sindicato dos Metalúrgicosdo ABC, diz que proximidade com o novo governo nãovai inibir reivindicações

O presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Luiz Marinho, vive uma situação inusitada. Fiel ao presidente Lula, a quem sucedeu na liderança da entidade e de quem se considera amigo, promete manter intacta a postura reivindicativa da categoria. “É nossa obrigação cobrar”, diz, garantindo que a dificuldade do papel que lhe cabe não o preocupa. “Querendo ou não, seremos vistos como governo. Mas esse é um problema bom. Se o Lula não tivesse ganho a eleição, teríamos preocupações mais graves.”
Pintor de automóveis da Volkswagen, Marinho ascendeu há seis anos ao posto que já foi de Lula com fama de bom negociador. Conheceu o atual presidente da República durante as greves de 1979. Marinho havia acabado de ingressar na montadora, vindo da pequena Cosmorama (SP). Lula iniciava sua trajetória liderando as greves que mudariam a história do movimento sindical e, no limite, do País. Em 1984, os dois dividiram cargos na chapa que liderou a entidade. “Foi aí que passamos a conviver.” A última vez que se viram foi na quinta-feira 9, quando, após uma rodada de visitas a ministérios, aceitou pousar no Palácio da Alvorada, a casa de Lula em Brasília.

Marinho pegou a presidência do sindicato numa fase brava de esvaziamento industrial da região do ABC. A categoria, que nos anos 80 reunia 200 mil pessoas, hoje luta para se manter com 100 mil. No ano passado, Marinho passou seis meses afastado da entidade, para concorrer ao cargo de vice-governador na chapa do petista José Genoino. “Foi uma experiência fantástica”, relembra, como que prometendo que ela virá a se repetir. A curto prazo, o destino de Marinho se divide entre terminar seu mandato à frente do Sindicato, em 2005, e assumir em maio a Central Única dos Trabalhadores (CUT), a maior central sindical do País. A possibilidade, diz Marinho, passa por um acordo com o atual presidente da entidade, João Felício.

Aos 43 anos, casado pela segunda vez, com dois filhos do primeiro casamento, o sindicalista ainda se desdobra para cursar o quarto ano de direito, na Universidade Bandeirante de São Bernardo. Além de afastar de si o preconceito contra a falta de escolaridade que ainda pesa sobre o presidente Lula, Marinho diz que sua volta aos estudos (caminho também seguido pelo ex-presidente da CUT Vicentinho, que está no quinto ano da mesma faculdade) incentivou outros companheiros de sindicato. “A volta aos estudos foi difícil. Mas sem sacrifício não vale”, filosofa. Na entrevista, concedida no espartano gabinete que ocupa na sede do sindicato, em São Bernardo, Marinho falou sobre suas expectativas com o novo governo e as necessidades das reformas sindical e trabalhista.

ISTOÉ – A cadeira que o sr. ocupa hoje já foi do presidente Lula. Isso representa algo especial?
Luiz Marinho

Na verdade, bem antes do Lula ocupar a cadeira de presidente da República isso já tinha um peso razoável. O Lula se transformou, a partir do sindicato, na principal liderança popular não somente do Brasil, mas da América Latina. Por si só, esse fato já era o bastante. Eu só tenho a felicidade de estar à frente do sindicato no momento em que ele assume a presidência.

ISTOÉ – A rotina do sr. se alterou de alguma forma por conta de sua proximidade com o presidente?
Luiz Marinho

Não por conta do Lula. Eu já tinha uma vida bastante
agitada, que foi projetada com minha candidatura a vice-governador. Mas a tendência é aumentar o assédio de pessoas com
perguntas a respeito do governo.

ISTOÉ – A cobrança que o sr. sofre já mudou?
Luiz Marinho

Há muita torcida e muito sentimento positivo em relação
ao governo, uma esperança muito grande. Mas há uma ansiedade
natural das pessoas, que querem estar sintonizadas com as mudanças. Isso é importante, dá um sentido de participação da categoria
no andamento do governo.
 

ISTOÉ – A responsabilidade do sr. muda em razão da proximidade com o novo governo?
Luiz Marinho

Sim, querendo ou não. Eu tenho dito para os sindicalistas que precisamos estar atentos ao fato de que nós seremos vistos como governo. É evidente que quem está no movimento sindical tem a responsabilidade de trabalhar pela independência. Nosso papel é o de representar os trabalhadores. Mas, na prática, a sociedade como um todo enxergará a gente como governo. Isso muda o tamanho da responsabilidade que temos. Nós não formamos um sindicato e uma central sindical meramente reivindicativos. A essência do movimento é reivindicativa, nós vamos trabalhar para preservá-la. Mas teremos a responsabilidade de apresentar alternativas e soluções. O que não é um grande problema para nós, na medida em que já agimos assim. A partir do final dos anos 80, o sindicato se propôs a adotar uma postura mais propositiva. Nasceu daí, por exemplo, o acordo da Câmara Setorial em 1992 (o acordo contou com a participação do governo, dos trabalhadores e da indústria automobilística e resultou na redução de custos dos automóveis e na retomada do setor, que andava em crise).

ISTOÉ – Mas não será um problema lidar no dia-a-dia com as expectativas sobre o novo governo?
Luiz Marinho

 É um problema bom. Se o Lula não tivesse ganho as eleições, estaríamos hoje com preocupações mais graves. E nós já temos experiência em lidar com essa relação do sindicato com o poder público. Quando o PT ganhou as prefeituras em várias cidades, nós sindicalistas recebíamos várias cobranças, como se fôssemos os administradores. Rapidamente isso se acertou. Basta o sindicato deixar claro qual é seu campo de atuação e qual é o da administração pública. Isso vai ser superado. É evidente que agora temos canal com o governo. Não somente com o presidente, mas com o Ministério. Nossa responsabilidade é usar esse canal para colocar os problemas dos trabalhadores.

ISTOÉ – Quais são suas perspectivas com o governo Lula?
Luiz Marinho

Vejo um ano de 2003 muito difícil do ponto de vista do desempenho da economia. Não vejo um crescimento fantástico nem
a solução para o desemprego. Mas acredito que será um governo
que dará atenção para o social. O programa Fome Zero poderá trazer
um alento para as camadas mais sofridas. E eu acredito no trabalho
dos ministérios responsáveis por fazer crescer a economia. É preciso segurar a inflação e reduzir os juros para alcançarmos, a partir de 2004, um crescimento de 4% a 5% ao ano. Seria extraordinário terminar o mandato dessa forma. Se isso acontecer, caminhamos para uma possibilidade de solução dos problemas a médio prazo. Ninguém está esperando soluções a curto prazo.

ISTOÉ – Mas a expectativa está em alta…
Luiz Marinho

Resta saber se o governo terá capacidade de mostrar de forma gradativa que algo está sendo feito.

ISTOÉ – O que o sr. espera para o salário mínimo?
Luiz Marinho

Eu ajudei a formular a proposta do Lula, que é a de dobrar o poder de compra do salário mínimo em quatro anos. É uma proposta ousada, que o próprio presidente fez questão de manter. Aconteceram sugestões para propor um acréscimo de 50%, mas ele foi irredutível.
Eu tenho a expectativa de que para já, não fique abaixo dos R$ 240.
É uma meta possível de ser atingida.

ISTOÉ – Qual seria a meta desejável?
Luiz Marinho

O desejável é o salário mínimo calculado pelo Dieese (R$1.357,43). Mas não há como discutir isso no momento. É preciso olhar a Previdência, as prefeituras, os Estados, mas também é preciso fazer crescer a economia para aumentar a capacidade de pagamento dessas instituições. Do ponto de vista do desejável, eu defendo o salário mínimo do Dieese. Mas prefiro a linha do aumento gradativo de modo sustentado.

ISTOÉ – É possível acontecer uma movimentação semelhante à da Câmara Setorial?
Luiz Marinho

Na verdade, espero do governo Lula um comportamento diferente do dos outros governos. No do Fernando Henrique nós não conseguimos sequer fazer a discussão nos momentos de crise. Agora eu espero um comportamento que abra de fato a possibilidade de participação dos trabalhadores e dos empregadores para ajudar a elaborar a política industrial do nosso país. O nome pouco importa, seja fórum tripartite, seja câmara setorial, mas é preciso que haja uma instância em que a gente possa levar os problemas das várias cadeias produtivas. Muita gente chama isso de assembleísmo. Mas nós provamos que isso é muito eficiente, quando o espaço foi dado em 1992. E olha que na época tínhamos um governo fraco, com o Collor. Os preços dos automóveis foram reduzidos em 22% e na sequência do acordo surgiu o carro popular. Hoje não existe essa margem toda, mas é possível, por exemplo, discutir a renovação da frota.

ISTOÉ – A região do ABC resolveu seus problemas?
Luiz Marinho

A fase do esvaziamento industrial passou. Mas eu acredito que, se não for feita alguma intervenção nos próximos anos, o processo pode recomeçar. Ainda existem problemas no Porto de Santos, apesar
de tudo o que aconteceu nos últimos anos. A segunda pista da Imigrantes, recém-inaugurada, foi um avanço. Nossa localização
é estratégica, mas ainda há problemas de logística e transporte.
Se esses problemas forem resolvidos, continuaremos fortes na
indústria, sem perder os investimentos conquistados nos últimos
anos no setor de serviços e no comércio.

ISTOÉ – E a categoria, continua encolhendo?
Luiz Marinho

Nós entramos num processo de estagnação. Parou de cair, mas também não está crescendo. Crescer hoje é quase impossível.

ISTOÉ – Qual o destino dos ex-metalúrgicos, como Lula?
Luiz Marinho

Tem uma parcela que em tese saiu do setor, mas na verdade foi terceirizada e continua na cadeia produtiva. Outra parcela se aposentou e voltou para seu local de origem. Durante a campanha, em todos os lugares do interior de São Paulo por onde passei, encontrei algum ex-metalúrgico. Mesmo saindo do Estado você encontra muitos que compraram um pedacinho de terra ou um comércio. Muitos estão mesmo aposentados. E há uma parcela que está desempregada.

ISTOÉ – O que o sr. espera em termos de reforma sindical?
Luiz Marinho

Esse tema depende mais do movimento sindical do que do próprio governo. O governo tem uma visão de mudança da legislação sindical que passa pela idéia de liberdade e autonomia sindical, na qual
o senhor das decisões é o trabalhador. Em tese, nasceria o pluralismo sindical, como existe na Alemanha. Há questões cruciais, como a sustentação financeira ou o papel da Justiça do Trabalho. Ela deve intervir ou não em casos de greve, por exemplo? Outros pontos são
a liberdade individual do trabalhador, se ele quer se filiar ou não,
e a representação no local de trabalho. Se resolver essas questões,
o resto é perfumaria. Eu espero sinceramente que o governo faça
um esforço para mexer. A liberdade de sindicalização do trabalhador
é importantíssima. O monopólio existente hoje precisa acabar,
assim como o imposto sindical.

ISTOÉ – Essas mudanças não enfrentariam pesadas resistências?
Luiz Marinho

É preciso ter as mudanças, mesmo com todas as dificuldades que a gente vê pela frente, pelo simples motivo de que o modelo
atual não está atendendo à demanda dos trabalhadores e das
empresas. Mas, para construir qualquer mudança, é fundamental
que as centrais sindicais se entendam.

ISTOÉ – Esse entendimento nunca existiu…
Luiz Marinho

E, se existisse, não adiantaria nada, porque o governo não tinha vontade de fazer as mudanças. Agora há um governo que diz que topa fazer. Precisamos checar isso, eu acredito nessa proposição. Então chegou a hora de as centrais construírem o mínimo entendimento. Muitos fazem discurso favorável às mudanças. Vamos ver se agora esse discurso é pra valer. Eu considero importantíssimo esse entendimento.

ISTOÉ – E a respeito das mudanças nas relações trabalhistas?
Luiz Marinho

O ministro do Trabalho, Jacques Wagner, me perguntou por onde ele deveria começar a mexer. Eu lhe disse que deveria começar
pela questão sindical, e não pela questão trabalhista. O tipo de sindicato existente cria a relação trabalhista. Com esse tipo de sindicato que
aí está eu não vejo a mínima possibilidade de avanço nas relações. Pouquíssimos sindicatos têm condições de assumir responsabilidades.
É preciso instituir de fato a negociação, o conceito de contratação coletiva. Esses instrumentos vão, tranquilamente, substituindo
aspectos da legislação trabalhalhista.

ISTOÉ – O desemprego atinge níveis históricos. Como o sr. acha que a questão deve ser tratada?
Luiz Marinho

Para este ano, a tendência é diminuir a curva do desemprego, mas não vejo grandes milagres. Mas, se o governo utilizar os recursos que tem no FGTS e no FAT para a infra-estrutura (moradia e saneamento básico), ele pode criar milhões de empregos num curto espaço de tempo. O saneamento não só gera emprego como também responde na qualidade de vida das pessoas. Eu espero que aconteça. Não estou no governo, minha parte é cobrar para que aconteça. Como sindicalista, vamos pautar e buscar discutir com o governo no sentido de criar condições para que as coisas aconteçam. Não é porque nós seremos vistos como governo que vamos assistir passivamente a uma eventual lentidão nas ações do governo. Vamos cumprir o papel do sindicato como sempre cumprimos. É nossa obrigação cobrar. Porque certamente vamos ser cobrados. Mas eu enxergo que há a intenção de fazer e nós precisamos estar à disposição para ajudar.

ISTOÉ – Qual é o projeto político do sr.? Ainda há chances de uma participação no governo?
Luiz Marinho

 Eu não discuto mais participar do governo. Sempre disse
ao Lula que o ministro do Trabalho não deveria ser um sindicalista
que estivesse em atuação. Eu só teria virado ministro se o Lula não seguisse a minha recomendação, o que não aconteceu. Fui consultado sobre a indicação do Jacques Wagner e apoiei a indicação. Tenho mandato no sindicato até 2005.

ISTOÉ – Há a possibilidade de o sr. assumir a CUT?
Luiz Marinho

Existe essa possibilidade, mas vai depender de um diálogo meu com o João Felício. Nosso relacionamento é extraordinário. Portanto, isso vai acontecer da melhor maneira possível.