Um mês de negociações realizadas no mais absoluto sigilo resultaram no anúncio da segunda-feira 12: a filial do Banco Bilbao Vizcaya Argentaria (conhecido como BBV no Brasil) passará às mãos do maior banco privado nacional, o Bradesco. O negócio, de R$ 2,6 bilhões, tira do conglomerado espanhol o controle de uma instituição financeira brasileira com três milhões de clientes, mas o deixa na confortável posição de sócio do Bradesco, com um naco de 4,5% das ações. Negócios desse porte viraram rotina no nosso mercado bancário. A ordem é crescer, crescer e crescer. “O banco vai ter um ganho de escala muito grande com o negócio”, diz o presidente do Bradesco, Márcio Cypriano.

Seu principal concorrente na rede privada, o Itaú, vem praticando a mesma dieta de engorda. À frente deles no ranking brasileiro, restaram apenas os bancos oficiais, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal (o Bradesco, na verdade, já é maior do que a Caixa e já faz mais empréstimos que o BNDES. No final do ano passado, o Itaú desembolsou mais de R$ 4 bilhões para engolfar o BBA e o Banco Fiat. E a compra do italiano Sudameris, que consumiu 11 meses de negociação, só malogrou por conta da forte desvalorização cambial do ano passado. Disposição para desembolsar outro bilhão de dólares não faltava.

O objetivo dessa ida às compras é preparar as instituições para um cenário de juros baixos (uma promessa do governo Lula e uma necessidade para o País). Em meados dos anos 90, com o final da inflação galopante, o modelo de negócios das instituições mudou radicalmente. O lucro deixou de advir principalmente da ciranda financeira diária para se calcar nas altas taxas de juros praticadas durante todo o governo de Fernando Henrique Cardoso. O ganho passou a se chamar spread (o termo técnico que define a diferença existente entre a taxa tomada e a do empréstimo realizado para a clientela). Nunca os bancos ganharam tanto dinheiro. Só em 2002, estima-se que as instituições lucraram mais de R$ 20 bilhões. “Como a queda dos juros é inevitável, os bancos se preparam para o futuro apostando na escala, já que eles vão ter de ganhar dinheiro com serviços”, diz o analista Fernando Coelho. O novo governo promete acentuar a velocidade da mudança do modelo. Tanto que a necessidade de redução dos spreads bancários foi citada pelo ministro da Fazenda, Antônio Palocci, em seu discurso de posse.

As compras resultam na concentração do mercado, que vem se acentuando. Em 1999, os dez maiores bancos do País eram donos de 67,6% do sistema. Hoje, os braços dos gigantes já abarcam 74,7% do total, segundo um levantamento da consultoria Austin Asis. As outras 180 instituições se espremem pelo quarto restante do mercado.

Nacionalização – Outro fenômeno recente é o da nacionalização dos ativos. Os dois últimos grandes lances estrangeiros foram as aquisições do Real (então quarto maior banco privado) pelo holandês ABN Amro e a compra do Banespa pelo espanhol Santander. De resto, o que tem ocorrido é um encolhimento da participação dos “gringos”. Em dezembro de 2001, 27,4% do mercado carregava bandeira estrangeira. Em setembro do ano passado, portanto sem contar com a aquisição do BBV, a parcela já havia escorregado para 22,9%, segundo dados da ABM Consulting. Explica-se: o gigantismo dos bancos nacionais intimida qualquer tentativa de crescimento. No caso do BBV, por exemplo, o banco superestimou a capacidade de expansão do mercado nacional quando chegou ao Brasil, em 1997. Sem o crescimento natural desejado e com o processo de aquisições descartado devido aos altos custos, a alternativa foi se desfazer da operação.

A fúria expansionista ainda não acabou, acreditam os analistas. Há quem chegue a apostar que simplesmente não haverá mais bancos médios no Brasil, restando apenas instituições de nicho e quatro ou cinco gigantões. “Hoje, ou o banco cresce ou vai ser adquirido”, diz o analista da ABM Consulting, Alan Marinovic. Até megafusões entre os grandes já estão sendo cogitadas pelos analistas. Hoje, a possibilidade de um negócio desse porte ainda é tida como ficção. Mas, afinal, quem acredita que um dia Brahma e Antarctica iriam se unir sob o mesmo comando?

LONGA HISTÓRIA

Aquisição do BBV encerra sob a bandeira do Bradesco uma história de 169 anos. Fundado em 1834 por comerciantes baianos, o Banco Econômico iniciou o século passado sob o comando da família Calmon de Sá. Um dos ascendentes, Ângelo, faria da instituição um dos maiores grupos econômicos do País a partir dos anos 1970. Houve momentos em que foi difícil acreditar que a instituição era privada, tal a influência política do banqueiro na Bahia. Em 1995, com um rombo de R$ 3 bilhões, o banco sofreu intervenção federal, sob pesados protestos liderados por Antônio Carlos Magalhães. A intervenção só seria levantada no ano seguinte, quando o banqueiro Ezequiel Nasser assumiu a parte boa da instituição, rebatizando-a Excel Econômico. Foi um naufrágio histórico. A popularização da marca, com o patrocínio de times de futebol, não foi acompanhada de uma boa gestão financeira. Apenas dois anos depois, Nasser foi obrigado pelo Banco Central a entregar a instituição aos espanhóis por R$ 1, tão delicada que estava a situação. Assim como Calmon de Sá, Nasser saiu atirando e distribuindo processos, contrariado com a autoridade monetária. Agora, com o BBV entregue, a história se diluirá no gigantismo do Bradesco.