Na cadeira onde Fernando Henrique Cardoso botou um dia Eduardo Jorge, que se embrulhou com fundos de pensão e telefonemas para o juiz do TRT de São Paulo Nicolau dos Santos Neto o presidente Lula assentou um mineiro de fala mansa, sorriso fácil, bigodes fartos e uma certeza absoluta: não pretende criar problemas para o governo, só soluções. Aos 47 anos, completados dia 7, o professor de português Luiz Dulci, que fala italiano e francês, estudou grego e latim e tem fluência nos dialetos mais exóticos da esquerda petista, é um dos ministros mais fortes do Planalto, onde ocupa a Secretaria-Geral por decisão pessoal do amigo presidente, que ele conheceu um ano antes do nascimento do PT, em 1980. Admirador de Machado de Assis, Manuel Bandeira e do filósofo Michel de Montaigne, Dulci integrou o Movimento de Emancipação do Proletariado (MEP) com forte atuação na área sindical. Coordenou a greve de professores que parou 200 mil funcionários da área de ensino, em 1979, em 400 cidades mineiras. Socialista de fé, redator dos discursos de Lula, ele vai ser a ponte de mobilização entre o Planalto e a sociedade civil, das grandes corporações à ONG mais frágil. Do êxito de seu trabalho depende boa parte dos problemas (ou melhor, das soluções) que Lula terá pela frente.

ISTOÉ – A Secretaria-Geral da Presidência foi, nas mãos
de Eduardo Jorge, um órgão poderosíssimo no governo FHC.
Será poderoso no governo Lula?
Dulci –
Se vai ser poderoso, não sei. Mas vai ser importante. O presidente delegou à Secretaria-Geral coordenar as relações políticas com a sociedade civil. Lula trabalha com o conceito de governabilidade ampliada. O presidente quer metade de sua agenda no palácio e a outra metade no diálogo com a sociedade. Essa agenda social será construída com empresários, trabalhadores, igrejas, intelectuais, jovens, ONGs…

ISTOÉ – Isto não tromba com a missão do ministro Tarso Genro?
Dulci –
Não. Tarso vai cuidar do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, que é o espaço do pacto social. O conselho terá uma pauta de reformas e a Secretaria-Geral vai coordenar a relação política do governo com a sociedade, que vai muito além do pacto social.

ISTOÉ – Como será o combate à fome?
Dulci –
Será uma causa nacional. É para ser um programa do Estado em parceria com a sociedade. Por isso, não foi lançado no Nordeste. Será feito em Brasília, com a adesão de centenas de entidades.

ISTOÉ – Não parecerá populismo?
Dulci –
O presidente quer fugir tanto do populismo quanto do elitismo. A participação popular gera co-responsabilidade social. A democracia representativa enriquece o processo.

ISTOÉ – Ciro Gomes foi criticado ao propor uma democracia direta que atropelava o Congresso. Esta confusão não vai se repetir?
Dulci –
Acho que não. O Congresso é sensível à opinião pública e tem seus próprios mecanismos.

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ISTOÉ – No governo Lula haverá um mecanismo
mais direto de democracia?
Dulci –
Não, o PT nasceu lutando contra a ditadura e pela democracia representativa. Este é o sistema que deve ser mantido e preservado. Não há democracia sem governabilidade parlamentar. Para nós é importante que o apoio da sociedade seja estimulado, ativado.
 

ISTOÉ – Como se faz isto? Por referendo, plebiscito?
Dulci –
Quem decide plebiscito é o Congresso. A democracia é representativa. Num país com 175 milhões de habitantes, seria ingenuidade querer praticar a democracia direta.

ISTOÉ – Esta viagem ao Nordeste não foi um palanque pós-eleitoral?
Dulci –
A idéia da viagem surgiu na transição. O presidente falou e cumpriu. Esta é a diferença de fundo. Lula quer continuar mantendo,
ao longo dos quatro anos, diálogo direto com a população. A viagem
tinha um caráter ético, simbólico. Estamos preparando o diálogo
direto do presidente com diferentes segmentos da sociedade.
A partir desta semana vou fazer um programa de visita a 30
grandes entidades da sociedade civil.

ISTOÉ – O sr. não está esvaziando os ministros, ao fazer isso? Cristovam Buarque (Educação) não ficará chateado?
Dulci –
Pelo contrário. O Cristovam já se reuniu com a UNE e discutiu educação com ela. Eu vou à UNE para discutir a política geral do País.
O presidente recebeu quase todos os governadores, o BID, o BIRD, bancos estrangeiros, grandes grupos que querem investir no Brasil.
Por que o presidente não pode conversar diretamente
com o povo pobre, lá onde o povo está?

ISTOÉ – Na história, quem fez isto foram os populistas…
Dulci –
Juscelino, que não era populista, fazia questão de conversar,
de parar na rua, de nunca se restringir aos palanques. O contato
direto não é necessariamente populismo. Ele será populismo se,
desse contato, não resultar nada.

ISTOÉ – Uma vez, ACM disse que iria apresentar um pobre a Pedro Malan em Brasília. De uma só vez, Lula apresentou milhares de pobres a Antônio Palocci. A idéia foi essa?
Dulci –
O Palocci já conhece e tomou muitas medidas importantes
na Prefeitura de Ribeirão Preto em beneficio dos pobres. Alguns não conheciam e tiveram a humildade, num gesto bonito, de reconhecer.
O ministro Furlan, com lágrimas nos olhos, disse: “Eu saio daqui
com uma carga ética, uma motivação muito mais forte para ajudar
a resolver os problemas dos pobres.” Não será factóide porque
o presidente quer que isso aconteça ao longo de quatro anos.
Factóide é quando você faz um e esquece. O presidente vai
encontrar com os pobres durante todo o governo.

ISTOÉ – Como será primeiro ano de governo?
Dulci –
O povo, pelas pesquisas que fizemos na transição, espera muito do governo Lula, mas não tem expectativas milagrosas. Se não é possível fazer de imediato tudo, que se faça tudo aquilo que é possível fazer. O presidente não deseja que o governo fique entre 0 e 100. Se é possível fazer 10, que se faça 10, desde já. Que as dificuldades não sejam usadas como pretexto de imobilidade, de paralisia.

ISTOÉ – Nem Getúlio Vargas, que era mais populista, tinha o costume de descer do carro e abraçar o povo.
Dulci –
As pessoas é que querem ter um contato mais próximo com o presidente. É a primeira vez que o Brasil tem um presidente retirante, nordestino, com um estilo diferente dos outros.

ISTOÉ – Lula vai recuar nesse estilo de aproximação com o povo?
Dulci –
Não. O desafio que ele apresentou aos assessores é o de manter e incrementar o contato com a população, buscando mecanismos adequados de segurança. Ele não quer, a pretexto de necessidades de segurança, deixar de ter contato direto com o povo. Nós queremos esse contato. Isso não é um problema, mas um trunfo extraordinário.


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