O tapete azul do Senado devia ser palco de uma grande trombada na manhã de quinta-feira 16, entre os dois blocos que dividem ao meio a bancada de 20 senadores do PMDB, o maior partido da casa. O líder Renan Calheiros (AL), candidato da cúpula peemedebista que apoiou José Serra na campanha eleitoral, forçou um embate antecipado contra o senador José Sarney (AP), candidato da ala rebelde que votou em Lula e agora cobra a fatura do Planalto. Renan perdeu a parada: recuou e marcou uma nova data para a escolha do candidato do PMDB à presidência do Senado: 31 de janeiro, véspera da eleição da mesa das duas casas do Congresso. O recuo escancarou a força de Sarney, que ganha tempo para consolidar uma vitória que reaproxima o PMDB do seu eixo central: o governo federal.

Sarney, com o apoio explícito do Planalto, mandou esvaziar a reunião, para não dar o quorum de 11 senadores, metade mais um da bancada. Renan revidou reforçando a convocação. “Renan precisava, desesperadamente, ter 12 presentes”, conta um dos senadores atropelados pela força do governo. A presença salvadora acabou sendo a do gaúcho Pedro Simon, que descansava na casa de praia de Rainha do Mar, no Rio Grande do Sul. Cobrado na véspera, por telefone, tanto por Sarney, que desestimulava sua participação na reunião, quanto por Renan, que o queria em Brasília, Simon jantou com o governador Germano Rigotto em Porto Alegre e desembarcou na capital com a proposta de adiar a decisão para o fim do mês, evitando agora a divisão do partido. Mas Simon nem precisou falar. Renan abriu a reunião e anunciou: “Atendendo a muitos apelos, inclusive do ministro da Casa Civil, José Dirceu, que quer reabrir entendimentos, vou adiar a eleição. Votar agora seria partir para o confronto.” Foi aplaudido.

Mas Renan perdeu de forma irreversível ao não consumar, na quinta-feira 16, uma vitória que agora parece impossível. O Planalto ganhou ao postergar a decisão para o final do mês, com tempo para impor Sarney. E ele ganhou a guerra da presidência ao engajar o Planalto e bloquear as manobras da cúpula peemedebista – Michel Temer, Geddel Vieira Lima, Eliseu Padilha, Moreira Franco.

Terminada a reunião, os 12 senadores foram almoçar na casa do presidente, Ramez Tebet. Numa roda embriagada pela sensação de alívio, um deles resumia: “Se não tivermos nada que nos ligue ao governo Lula, vamos ficar expostos ao sereno.” Antes do almoço, Renan foi chamado ao telefone: era Dirceu, com quem já tinha falado no início da manhã, chamando-o para conversar no Planalto, na manhã da sexta-feira 17. O afago era oportuno para desfazer a impressão da mão pesada do governo na questão interna do PMDB. Renan tinha 11 senadores na reunião, mas não contava com todos os seus votos. Quatro deles estavam prontos para levantar e sair se a eleição fosse feita naquele momento. A cúpula do PMDB reclama da perda de dois votos certos para Renan. O piauiense Alberto Silva resolveu embarcar na véspera para Teresina, depois que o Planalto arrumou emprego para um filho do senador, desamparado desde o impeachment do governador Mão Santa. O brasiliense Valmir Amaral também passou a ser dúvida.

Foi num jatinho de Amaral que um Sarney vitorioso embarcou para João Pessoa, onde a ala rebelde do PMDB tinha encontro marcado na sexta-feira 17. Como ilustre convidado de Sarney, lá estava Simon, escolhido como “mensageiro da paz” do grupo de Renan. No jogo de aparências do poder, tudo parece casual, embora nada saia do combinado. Os senadores sabem como pisar no majestoso tapete azul do Senado.

SOU UM PACIFICADOR

Com o adiamento da escolha do candidato do PMDB a presidente do Senado para o próximo dia 31, o senador José Sarney já fala como vitorioso. Em entrevista a ISTOÉ, ele se diz disposto a pacificar o partido e promete trabalhar com o PT pela votação das reformas no Congresso.
ISTOÉ – A cúpula peemedebista foi derrotada?
Sarney –
Eles quiseram desafiar o governo quando tentaram antecipar a votação. Testaram para ver se o PT é forte ou fraco e acabaram se dando mal. No dia 31, eu venço a eleição na bancada.

ISTOÉ – O sr. tem mesmo o apoio do PT?
Sarney –
Eu tenho legitimidade junto ao PT porque votei no Lula, fiz campanha. Eles trabalharam contra.

ISTOÉ – Quais seus planos na presidência do Senado?
Sarney –
Ajudar o governo a votar as reformas da previdência e tributária e, especialmente, a reforma política.

ISTOÉ – É possível fazer as pazes com o Renan?
Sarney –
Essa briga não interessa ao País. Renan é
quem resolveu brigar. Sou um pacificador, e é claro que
estou pronto para trabalhar pela paz.

ISTOÉ – Pode ainda surgir um ‘tertius’?
Sarney –
Não raciocino sobre hipóteses.

ISTOÉ – Com a sua vitória, há quem tema o fortalecimento de Antônio Carlos Magalhães.
Sarney –
Uma pessoa que fez o que eu fiz na minha vida jamais será linha auxiliar. Sou amigo do Antônio, mas não temos qualquer acordo.

ISTOÉ – No PSDB, diz-se que o sr. quer vasculhar a
vida de FHC, vingando-se das denúncias da campanha
eleitoral contra sua filha.
Sarney –
Não sou um homem de vinganças. Nada tenho contra o doutor Fernando Henrique.

Luiz Cláudio Cunha