Com nascente na Cordilheira dos Andes, o rio Solimões tem águas barrentas, frias e rápidas. Já o rio Negro, que brota no Pico da Neblina, abriga águas escuras, quentes e lentas. O encontro dos dois rios, nas imediações de Manaus (AM), dá origem ao caudaloso Amazonas e a um inusitado fenômeno. As águas escuras e as barrentas correm lado a lado, sem se misturar por quilômetros a fio. O espetáculo, que delicia turistas de todo o mundo, é apenas o ponto de partida para uma
semana de aulas que mostram a teoria na prática. Em pequenos
grupos, adolescentes vindos de diversos pontos do País se revezam
no Barco da Natureza, uma típica embarcação amazônica, adaptada
para abrigar apenas 16 passageiros. São alunos do ensino médio do Colégio Objetivo, que trocam as salas de aula pela navegação ao
longo dos dois grandes rios e de seus afluentes.

“O Solimões é barrento porque desce arrastando grande quantidade
de sedimentos e galhos”, explica Daniel Medinas, 16 anos, depois da primeira aula a bordo. “É o que tem maior biodiversidade.” Ele não
hesita na comparação com o rio Negro, que entra cristalino na
Amazônia, mas invade florestas e acaba “tingido” pelo material
orgânico em decomposição no solo. Em poucos dias, Daniel e seus colegas constatam que a fauna e a flora menos exuberante do rio
Negro têm um lado muito agradável. É a ausência de insetos, um
alívio para os urbanos de qualquer idade.

Vindo de São Paulo a Manaus de avião, o grupo de Daniel navega pelo encontro das águas num começo de tarde, para depois rumar em direção ao lago do Janauari, no Solimões, onde o barco permanecerá atracado durante a primeira noite. Antes de chegar ao abrigo natural, todos já parecem adaptados à rotina da embarcação, que navega a 20 quilômetros por hora, e faz as vezes de escola e de casa. Por causa da visão panorâmica, o convés superior se transforma em espaço preferido dos navegantes, que não se cansam de chamar a atenção dos colegas para um ou outro detalhe das margens. “Não dá para imaginar essa imensidão sem ver de perto”, comenta Brisa Araújo, 14 anos.

O próprio criador da Escola da Natureza passou boa parte da infância imaginando os mistérios da Amazônia, a partir dos relatos do pai, que, ao imigrar da Itália, desembarcou em Manaus. “É impossível conhecer o Brasil sem entender a Amazônia”, acredita João Carlos Di Genio, reitor da Universidade Paulista (Unip), do mesmo grupo do Objetivo. “Além disso, aulas nas quais os alunos podem pegar no filhote de jacaré e depois colocar na água são inesquecíveis.” Com o objeto de estudo ao alcance dos olhos e das mãos, os professores não têm dificuldade para motivar os alunos. Espécie de divisor de águas no universo da educação ambiental, a Escola da Natureza foi inaugurada em meados de 1989 e, desde então, já recebeu quase seis mil alunos. “É muito diferente da sala de aula”, compara Yuiti Fukuta, 16 anos. “Nunca vou esquecer do povo ribeirinho.”

O primeiro contato com os moradores da Amazônia acontece na entrada do rio Ipixuna, onde desembarcam no Flutuante do Belo, uma construção de madeira sobre água, do dinâmico Luiz Humberto de Oliveira Coelho, o Belo. Além de vender de tudo um pouco, Belo ajuda a transportar os estudantes em canoas pelos igarapés das imediações. “Por aqui, todo mundo conhece o Barco da Natureza”, diz. “Seus passageiros querem saber de tudo. São diferentes dos turistas.” Não resta dúvida que têm um olhar bastante crítico. No flutuante, embora fotografem crianças exibindo animais exóticos, eles logo questionam a estratégia ribeirinha de conseguir alguma recompensa. “Talvez seja o único jeito que eles têm de ganhar um dinheirinho”, comenta mais tarde Bianca Assunção Silva, 16 anos, que se encantou com uma menina e seu bicho-preguiça. “Em vez de usar os animais, eles deveriam aprender a fazer outras coisas”, sugere Luísa Paganini.

À medida que a embarcação supera vagarosamente as distâncias, o estilo de vida do homem amazônico se torna um dos temas mais instigantes das discussões em aula. A visão de crianças pequenas remando sozinhas pelos rios provoca reviravoltas na cabeça de adolescentes que precisam se proteger atrás de muros nas cidades grandes. Como a parada em uma casa de farinha, às margens do Furo do Paracuba, que liga o Solimões ao Negro. Na ocasião, duas dezenas de vizinhos estão sentados no chão, preparando mandioca ao redor de grandes tachos. É a produção de uma roça que está prestes a virar 720 quilos de farinha e garantir a subsistência de toda uma família. “Ninguém está ganhando nada para trabalhar”, constata Bruno Coutinho, 15 anos, depois de conversar um pouco. “Colaboram para terem ajuda na hora da própria colheita.”

Escolados pelo contato com turmas diversas, os professores procuram tornar suas aulas tão interessantes quanto a prática. “Há pouco mais de um ano foi descoberta uma nova espécie de peixe na Amazônia, a 61 metros de profundidade”, conta o biólogo Ronaldo Martins Alves, especialista em ecologia da Amazônia. Entre uma novidade e outra, os garotos visitam aldeias indígenas, observam estrelas e fazem três caminhadas pela mata, uma delas noturna. “Tínhamos guia local, mas, infelizmente, não vimos nada”, lamenta Daniel. “Eu queria encontrar uma onça bebendo água ou uma cobra enrolada na árvore”, sonhava desde o primeiro dia da viagem André Luiz Seidel, 16 anos. Nem tudo é perfeito.