Na virada dos anos 90, Mila e Carlos moravam nos Estados Unidos, em Alexandria, Washington, D.C. Enquanto ele fazia parte de um grupo de ambientalistas interessados na Amazônia, que viajou a convite do Smithsonian Institute, a mulher, como a maioria das esposas de convidados, se matriculara num curso livre qualquer, no caso, de história. Viviam o paraíso da vida no Primeiro Mundo, pleno de possibilidades, mas ao mesmo tempo descobriram o inferno decorrente dessa liberdade: o que fazer diante de um certo tédio? Partiram para o casamento aberto e tentaram ir fundo, não sem passar pelas confissões mútuas, autoflagelantes. Principalmente Mila, que, em busca de um novo prazer, vai atrás de um anúncio de jornal através do qual conhece um certo Mr. Y, de raça, idade e intenções indefinidas, encontro que mudaria a vida dos dois e do próprio mundo onde viviam. Mas nem só de fantasias sexuais se sustenta Aquele sol negro azulado (Versal Editores, 282 págs. R$ 27), romance de estréia do jornalista, publicitário e compositor baiano João Santana, ambientado em Washington, Brasília e no coração do Amazonas. O livro vai muito mais além quando se refere à humanidade.

Santana levou quatro anos até pôr ponto final em sua obra, que começou a ser escrita em 1992, em Trancoso, Bahia. No ano anterior, recém-chegado dos Estados Unidos, onde morou por um período, ele chefiou a sucursal de Brasília de ISTOÉ, coordenando a produção de 20 capas consecutivas que culminaram com o depoimento do motorista Francisco Eriberto França, na reportagem “Testemunha chave”, que precipitou a queda do então presidente Fernando Collor de Mello. Não é à toa que, quando Mr. Y, Carlos e Mila passam por Brasília, há um presidente sofrendo um processo de impeachment. Há também certa familiaridade nas descrições das figuras palacianas – do senador que faz poemas sobre as próprias fezes à jornalista habituada a dormir com seus informantes e depois sair jorrando manchetes. À sua maneira, o autor reconta a história do Brasil, fundindo e criando palavras como um discípulo de Guimarães Rosa. Uma das melhores é a expressão monossilésbica, jeito com que descreve uma garota séria e reticente.

Para formar o roteiro básico de seu romance, Santana misturou o delírio de Pan-América, de José Agrippino de Paula, com a irreverência de Dulluth, de Gore Vidal, estruturando-o em planos simultâneos, como o Julio Cortázar de Os prêmios e de Todos os fogos o fogo. Mila e Mr. Y, por exemplo, possuem tramas paralelas que se passam em outros séculos, mas, a uma certa altura, se misturam. Ou seja, é um divertido acarajé lisérgico avesso a metáforas, cheio de loucas escapadas, com sexo em profusão, improváveis figuras históricas, uma citação de Antonio Risério aqui, outra de Paulo Leminsky acolá, seguidas de Gilberto Freyre, índios, negros e babalaôs. Com sua experiência, o autor ainda arrisca definições do tipo: “O jornalismo mente dizendo a verdade e a publicidade diz a verdade mentindo.” E a literatura?