Se existe um filme que o
espectador não pode perder o
início de forma alguma é o thriller Femme fatale (Femme fatale, Estados Unidos/França/Alemanha, 2002), em cartaz nacional na
sexta-feira 24. Não que a cena
de abertura, passada durante o Festival Internacional do Filme
de Cannes, esconda a chave de compreensão da fita. É que a
longa sequência de dez minutos praticamente enfeitiça o espectador. Seduzido, ele mergulha sem qualquer resistência na trama absurda montada pelo engenhoso diretor Brian De Palma, que retoma o fôlego de suas melhores obras depois do equivocado Missão Marte.

A ação acontece em pleno Palais du Festival, com todas as celebridades desfilando na escadaria coberta por tapete vermelho, enquanto a câmera passeia ao ritmo do Bolero de Ravel, belissimamente recriado por Ryuichi Sakamoto. Uma estonteante starlet, cujo dorso e peitos alvos aparecem cobertos apenas por uma serpente de ouro cravejada de diamantes, é seduzida pela falsa fotógrafa Laure (Rebeca Romijn-Stamos), que a atrai até o banheiro. Lá, numa das cabines de vidro embaçado, elas se atracam aos beijos, pretexto para acontecer um dos roubos mais excitantes do cinema. A cada carícia de Laure, uma peça do bustiê-jóia é atirada no chão de pastilhas brancas e trocada por uma réplica de latão e vidro pelo chefão da vilã.

Acontece que Laure, a explosiva mulher fatal do título, é muito, mas muito má. Ela engana seus mandantes, é atirada no fosso de um hotel cinco estrelas e, confundida com Lily, mulher que acabara de perder o marido e o filho – interpretada pela mesma Rebeca – termina salva por um estranho casal. Mergulhada na banheira da casa a que é levada, assiste ao suicídio da verdadeira Lily. Na sequência, Laure vira mulher do embaixador americano em Paris e enreda na sua teia o paparazzo Nicolas Bardo (Antonio Banderas), que havia vendido uma foto sua para uma revista de escândalos. Jurada de morte, ela sempre descobre uma saída fantástica com a mesma rapidez com que morde os suculentos lábios carnudos. “É uma manipuladora nata. Ela nos conquista enquanto tentamos descobrir suas intenções”, descreve De Palma.

A californiana Rebeca Romijn-Stamos, descendente de holandeses,
cuja silhueta de modelo famosa já foi vista em X-man, o filme e
Rollerball
, não chega a ser uma grande atriz. Mas tem o magnetismo apropriado ao papel, oferecendo uma performance incandescente.
Numa cena passada num bar de motoqueiros, ela protagoniza um
strip-tease que desperta o voyeurismo da platéia masculina, aliás um
dos temas preferidos de De Palma. Não é bom falar mais. Qualquer informação adicional sobre o tortuoso enredo tiraria o prazer de se deixar levar pelas mãos de um mago do cinema, que transforma a tela numa projeção de sonhos e delírios. Macaco velho no ramo, neste filme De Palma recicla e satiriza os famosos clichês do cinema noir, criando com maestria uma trama surpreendente a cada cena. Numa delas, o cineasta faz o garanhão espanhol Banderas simular um gay afetadíssimo. Bom humor conta muitos pontos a favor.


Siga a IstoÉ no Google News e receba alertas sobre as principais notícias