O Brasil está apaixonado pelo Brasil. Basta olhar a quantidade e variedade de símbolos brasileiros expostos nas roupas, na decoração, na gastronomia e até em jóias. É a dimensão estética da política: “Quando se percebe um movimento espontâneo no ritual das ruas é porque há um fenômeno social amplo efetivamente acontecendo. O lado estético é fundamental porque mostra um povo reinventando o amor à pátria”, diz a pesquisadora Angela de Castro Gomes, do Centro de Pesquisa e Documentação (CPDoc), da Fundação Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro. Na verdade, o Brasil está na moda, mas não aquela caricatura verde-amarela recorrente em Copa do Mundo. O patriotismo que aparece de quatro em quatro anos deu lugar ao nacionalismo que pressupõe vínculos afetivos com o País e escancara-se nos dias de hoje. Apesar de o vermelho-PT estar em alta, as cores que dão visibilidade à paixão são o verde e o amarelo, exibidos de forma despojada e autoral. Um despojamento respeitoso, em sintonia fina com a nova formação do poder em Brasília. Embora Lula tenha emitido um “comunicado informal” avisando que no Planalto a descontração tropical só é bem-vinda após
o expediente, a cordialidade com que o poder central trata os populares faz o elo simbólico, mas forte, entre as ruas e o Palácio. A exibição de orgulho do País não é à toa. Com o dólar em queda e o apoio dos países vizinhos para tornar a América do Sul um bloco econômico forte, até
o megainvestidor americano George Soros, antes incrédulo, agora vê
o Brasil com otimismo. O novo presidente está conquistando as atenções lá fora e se tornando uma liderança respeitada.

E é claro que a melhora da imagem do País no Exterior se reflete aqui dentro. Como em poucos momentos na história, o brasileiro experimenta um movimento de amor à pátria. E a corrente dos entusiastas já tem uma musa: Luma de Oliveira. Eterna rainha do Carnaval e uma das mais cobiçadas mulheres brasileiras, ela recebeu destaque recentemente também como a pessoa física que fez a mais alta doação à campanha de Lula: R$ 27 mil. Casada com o empresário Eike Batista, ela conta que eles chegaram a pensar em sair do País na década de 90, tamanho o desânimo. “Resolvemos ficar porque é aqui que queremos criar nossos filhos, investir em trabalho, gerar empregos. Hoje vejo que fizemos a opção certa. O barco estava sem prumo e já tomou rumo de novo, embora as águas ainda estejam revoltas”, filosofa. Séria, ela se investe de responsabilidade cívica e pede aos compatriotas que “tenham calma porque as mudanças vão acontecer, mas não imediatamente”. Nas várias viagens que faz acompanhando o marido, Luma diz perceber um ambiente favorável. “As pessoas estão começando a gostar de ser brasileiras. Dá para perceber isso nos mais diferentes lugares”, afirma ela, demonstrando ter superado o incidente de sua ausência na cerimônia de posse de Lula. Ela faltou porque seu convite não dava direito à companhia do maridão.

As manifestações, por mais singelas que sejam, como a febre de plásticos da bandeira nacional em carros, vêm carregadas de consciência política compartilhada, e esse é um importante diferencial do momento. Fernando Collor, por exemplo, foi eleito presidente em 1989 em clima de euforia e boa expectativa, mas a esperança
se reverteu em rejeição e impeachment três
anos depois. O povo via em Collor, candidato
de partido quase desconhecido, uma espécie
de salvador da pátria. Nada a ver com Lula.
“A população já identifica o político como
um profissional que pode fazer certas coisas,
mas não milagres”, diz Angela Gomes,
também organizadora do livro recém-lançado
A República no Brasil
.

Voz das ruas – Em pesquisa para sua
obra, ela ouviu pessoas dizerem que “estão predispostas a passar mais quatro anos
no limite do sacrifício se sentirem que o
País caminha para mudanças.” Essa é a
atual voz rouca das ruas: melhorar o
coletivo para poder melhorar o individual.
A maturidade não surpreende o cientista político Alberto Almeida, da FGV e da Universidade Federal Fluminense, prestes
a finalizar a Pesquisa social brasileira:
“O povo gosta do Brasil. Determinados segmentos da elite é que não gostam.”

Robenildo Quintino Alves, 35 anos, é parte desse povo amante do País. Negro, sobrevivente das carências do Nordeste e apelidado de Pelé, ele literalmente eleva aos céus seu sentimento de confiança, hasteando, todas as manhãs, uma enorme bandeira na praia de Ipanema, zona sul carioca, onde dá aulas de voleibol. “Faço isso porque sou um brasileiro que gosta do Brasil. Mas o que antes era um gesto só meu hoje está agradando a todos. Minha bandeira ficou famosa. As pessoas tiram fotos e fazem elogios. Eu acho que o Brasil vai decolar”, diz. Apesar da empolgação, Pelé não espera mudanças imediatas. Indiferente à semântica, se diz “patriota”. Na verdade, é nacionalista.

Nas ruas, a diferenciação é tênue e quase despolitizada. A paulistana Elian de Oliveira, 23 anos, que gosta de desfilar com um biquíni estampado com a bandeira brasileira, diz que escolheu o modelo “porque é bonito”. Mas já tinha feito essa escolha antes? “Não.” Por que agora? “Porque está na hora de mostrar orgulho, como fazem os ingleses e americanos.” Ela acredita que “Lula vai dar uma revolucionada geral.” Alegre, afirma: “Minha expectativa é boa. Tenho esperança.” Mais do
que boas expectativas tem motivado o vendedor ambulante de cangas Marinho Silvério. Ele comemora: “A venda de cangas de bandeira
triplicou nos fins de semana. Nosso peixe está na moda.” Comprovam também a nova estética a bandeira do Brasil no teto e a frase “Ordem
e progresso” nas laterais da barraca de Jorge Drolly, no posto 10
de Ipanema. Tempos atrás, ele poderia ser vaiado pelo arroubo. Hoje
é diferente: “Está dando o maior ibope! Estou homenageando esse momento em que o País está ficando sério.”

Raízes – Os temas brasileiros vêm sendo testados também em recintos mais fechados.
A designer Tereza Xavier oferece nada menos que braceletes e anéis em pedras e diamantes no formato de bandeira (com preços em torno de R$ 3 mil). Com a credencial de quem sempre trabalhou com raízes brasileiras, ela frisa que
a grande aceitação de símbolos nacionais não
é uma questão de moda: “As pessoas estão olhando nossa cultura com mais carinho.” Até
o mapa do País faz sucesso como pingente
na coleção Anabella Geiger, da H.Stern. Diretor de criação da joalheria, Roberto Stern detecta “uma onda Brasil”. Para pesquisar o fenômeno, Stern fez um levantamento de vendas nos últimos meses e contabilizou mais de 100
peças compradas. “Não dá para destrinchar ainda o que tem da onda aí. Mas é um número muito bom e pode indicar tendência.” O empresário equaciona: “Não interessa mais quem votou no Lula ou não. Interessa é que o País
está vivendo um alto-astral contagiante.”

Todos falam em confiança, que aparece, segundo a pesquisadora Angela de Castro Gomes, da FGV, como recurso de poder capaz de profundas modificações. Neste mês, o instituto de pesquisa Datafolha apurou que a esperança em Lula é a maior dos últimos governos: 76% dos brasileiros acreditam que o atual governo será ótimo ou bom. O mesmo instituto mediu expectativas de governos passados e constatou que Fernando Collor contava com 71% de otimismo e Fernando Henrique Cardoso, com 70% no primeiro governo e 41% no segundo. A singularidade atual é a proposta de um governo popular e carismático associada à reinvenção do orgulho nacional – que constitui um movimento nacional, tanto urbano quanto rural. O sociólogo Francisco de Oliveira, professor aposentado da USP, chega a correlacionar a importância da eleição de Lula a três momentos de profundas modificações no País: a Abolição da Escravatura, a Proclamação da República e a Revolução de 30. Diferentemente desses eventos anteriores, em que apenas intelectuais e partidos políticos batalhavam para construir uma ideologia de nação, dessa vez a população participa.

Exibição – Chama a atenção a adesão de jovens – historicamente mais afeitos à desconstrução de símbolos. A grife vanguardista Ave Maria,
de Belo Horizonte, estilizou uma bandeira numa saia que serviria para fotos de catálogo e acabou incorporando a peça na loja devido à ótima repercussão entre os jovens. “Não sigo tendências, mas percebo o público interessado nesse tipo de exibição de patriotismo”, constata
o estilista Zépa. Felipe Câmara, 20 anos, conjuga roupas verdes e amarelas da Wöllner, com lojas nas principais capitais, e desbanca crenças: “Hoje não tem mais esse negócio de associar cores brasileiras
a patriotismo brega”, afirma. A Mattel, maior fabricante de brinquedos
do mundo, anuncia que “não está fora desta tendência verde-amarela
e lança a Barbie Rio de Janeiro simultaneamente em 150 países. “A idéia foi um pedido da Europa porque a percepção do País lá fora está bastante diferente. O Brasil está na moda”, completa Cristina Lara.
O estilista Gilson Martins, criador da linha de bolsas Brasil, que o diga.
Ele começou a comercializar essas bolsas em 1985 sem expectativa
de atingir público tão amplo: hoje são 350 peças vendidas por mês. “A auto-estima está elevada, só que não se pode banalizar o símbolo e transformá-lo em modismo”, alerta Martins.

A advertência é válida, mas a estética verde-amarela já é fashion. Dono da loja Papel Objeto, Guilherme Mendes atrai clientes com sua vitrine de almofadas de pelúcia, porta-níqueis, ventosas, cartões e adesivos na temática nacionalista. “Essas estampas estão valorizadas no mercado”, afirma. As lojas Bhara, em São Paulo, Porto Alegre e Rio, registram uma migração de interesses da clientela em produtos de decoração. Sai Bali, entra Brasil. Palha, barro, corda e artesanatos se acomodam dentro da pequena caixa Brasil, de autoria da artista plástica paulistana Vera Souto, que “virou carro-chefe da loja”, segundo Cláudia Montenegro, sócia das franquias cariocas. “Em várias versões, são vendidas 80 caixas por mês”, conta ela. Em sua coluna no jornal Folha de S.Paulo, Danuza Leão dá ressonância ao nacionalismo: “Grifes estrangeiras passam a fazer parte do passado e se você comprar um sapato made in Brazil, além de economizar dólares, fortalecerá a indústria nacional.” Como disse em 1924 o modernista Mário de Andrade, autor de Macunaíma – o herói sem nenhum caráter, “nacionalismo é simplesmente isso: ser nacional. Abrasileirar o Brasil.” Demorou, mas parece que está acontecendo.

Produção: Cláudia Mello; Maquiagem: Ines Barreiro; Biquínis: Rosa Chá;
Blusa (de bandeira): Blue Man; Blusa (amarela): Collizione; Bijuterias: Tribo;
Bandeira: Pelé de Ipanema