O maior empregador do País fora do sistema bancárioapóia as decisões do governo Lula e classifica suaequipe como excepcional

O dono do grupo Pão de Açúcar tem 66 anos e parece que ainda não saiu dos 50. Abílio Diniz, capitalista bem-sucedido no setor de supermercados, parecia ser o protótipo do empresário que iria encrencar com o governo petista. No mínimo, porque votou em José Serra, o candidato que não tem um fio de cabelo de semelhança com Lula. No máximo, porque passou os piores dias de sua vida como vítima de uma trama irresponsável e eleitoreira segundo a qual o Partido dos Trabalhadores teria participado de seu violento sequestro, em 11 de dezembro de 1989. Mais uma vez Abílio Diniz surpreende. Ele sabe que uma coisa não teve nada a ver com a outra e apóia o governo de Lula desde que sua eleição foi anunciada. Abílio Diniz define seu corpo de ministros como um grupo excepcional, está otimista em relação a 2004 e nem pensou em cortes de funcionários neste ano. O negócio dele é crescer e contratar mais gente. Para quem não sabe, é muito bom trabalhar no Pão de Açúcar. São mais de 60 mil pessoas, todas com benefícios que incluem, por exemplo, bolsas de estudos, financiamento para aquisição da casa própria (para os trabalhadores de menor renda), acesso a esporte (não se pode esquecer que ele é um atleta). Abílio Diniz é presidente do Conselho do grupo desde março de 2003, fecho bem-sucedido da transição da empresa familiar para a empresa profissional, que tem agora na presidência – sucedendo Abílio – Augusto Cruz, ex-diretor financeiro. “Ter um conselho forte é uma maneira de perpetuar a empresa”, disse ele no decorrer desta entrevista a ISTOÉ.

ISTOÉ – O sr. acha que o País melhorou ou piorou em 2003?
Abílio Diniz

Eu tenho dito com alguma frequência que as pessoas se esquecem de olhar para trás. Toda vez que passa uma tempestade e vêm uns dias lindos, as pessoas têm a tendência de esquecer aquilo que sofreu. E as pessoas estão esquecendo como nós estávamos no final do ano passado – o Brasil completamente sem crédito, os bancos não conseguiam rolar mais dinheiro em crédito, nós estávamos, inclusive, sem crédito para o comércio externo, com dificuldades de linhas para exportação e importação, as perspectivas para o Brasil eram as piores possíveis para o cenário internacional, a inflação demonstrava que iria sair fora do controle.
 

ISTOÉ – A inflação escapando ao controle seria um desastre… .
Abílio Diniz

 Inflação é uma coisa interessante. Ela está pequenininha, 5%, 6%, você domina; de repente começa a subir e você não percebe, mas começa a indexação e vira a situação da cobra correndo atrás do rabo. Aí vem a inflação inercial e não há como segurar. Nós, que já acreditávamos estar livres desse problema depois de oito anos de convivência com a estabilização, de repente nos defrontamos com uma situação de profunda ameaça de vir a conviver novamente com uma espiral inflacionária

ISTOÉ – Essa ameaça faz parte da herança recebida por Lula?
Abílio Diniz

 As perspectivas no final do ano passado eram as piores possíveis. Esse governo iniciou com enormes dificuldades e acho que fez aquilo que se propôs a fazer neste momento. Deu uma demonstração de austeridade fiscal, estimulou as exportações, procurou equacionar tanto o nosso problema interno quanto o externo. Nós estamos tendo exportações recordes neste ano, deveremos ter um superávit comercial excelente. É claro que, em virtude das medidas duras que o governo teve que tomar no sentido da maior austeridade fiscal e de política monetária (onde se inclui uma altíssima taxa de juro, aumentada pelo governo logo que iniciou), há uma diminuição da atividade econômica. Mas isso estava previsto, não se podia imaginar um cenário diferente. O governo fez aquilo que propôs no primeiro momento, assim que assumiu. Cortou verba de tudo quanto é lado, de todos os ministérios, de todos os programas, promoveu realmente uma austeridade fiscal, mas procurou cuidar de alguns programas sociais como o Fome Zero, que tem levado alguma coisa às populações mais carentes.

ISTOÉ – O sr. acha que é isso mesmo que deveria ter sido feito?
Abílio Diniz

Nós preferíamos que os cortes fossem em custeio, nas despesas do governo, e não nos investimentos. Mas não é da noite para o dia
que você consegue cortar todos os gastos correntes. Tudo aquilo
que eu tenho ouvido em nível de governo – principalmente através do ministro Mantega (Guido Mantega, do Planejamento) – é que está se buscando conter os gastos correntes do governo, sendo o maior
deles o previdenciário, o rombo da Previdência, que está se procurando diminuir com a reforma da Previdência. O governo também se propôs a encaminhar algumas reformas no campo econômico que se faziam necessárias havia muito tempo, como a reforma previdenciaria e a tributária – que, se não é e não vai ser a reforma de nossos sonhos, pelo menos é uma reforma que espero eu – porque ela ainda não passou – venha a possibilitar uma diminuição da sonegação e da informalidade no nosso país. No nosso setor, nós sabemos que as únicas empresas que estão crescendo são aquelas que atuam no setor informal, ou melhor, no setor da sonegação. É preciso que, nesse ponto, o governo faça algo mais drástico que venha, mais para a frente, diminuir a carga tributária que, sendo muito pesada, estimula a informalidade e a sonegação.

ISTOÉ – A crítica em relação à reforma tributária é de que ela não é a reforma necessária. O sr. concorda?
Abílio Diniz

Ainda que a reforma tributária não seja a que todos nós desejamos, o governo está tentando, está fazendo uma parte da
reforma tributária, está dando alguns passos que eu espero que contribuam para a diminuição da informalidade. Então, o que eu
posso dizer é que o governo atacou no plano econômico, promoveu reformas, o governo não ficou parado. Se as pessoas olharem de onde nós viemos e para onde estamos indo, vão ficar mais otimistas. Há praticamente um consenso entre todos os economistas de que o País está preparado para crescer 3,5% no ano que vem.
 

ISTOÉ – Essa é uma taxa de crescimento suficiente para o País?
Abílio Diniz

Essa é a grande dúvida, considerando todos os problemas que temos. Será que não teríamos possibilidade de crescer a 5%, 6%, 7%? É a única coisa que eu tenho dúvida e não gostaria de ver o governo se acomodar em torno dos 3,5%, imaginando que dez anos a 3,5% o País cresce muito. É claro que é melhor do que nada, mas dadas as nossas dificuldades eu imagino que 3,5% é pouco e eu gostaria de ver o País crescendo mais do que isso.
 

ISTOÉ – Muita gente fala que a taxa de juros poderia cair mais rapidamente. O que o sr. acha?
Abílio Diniz

 O que eu acho importante é que a taxa realmente caia, que a taxa real de juros seja menor. Em discussões entre economistas
surgem opiniões de que estamos chegando perto da taxa mínima que a economia possa aceitar. Eu acho que nós podemos ter uma taxa real mais baixa, e o importante é caminharmos para ela. Gostaria de ver o real um pouco mais desvalorizado para realmente garantirmos um estímulo maior às exportações. Criar uma cultura de exportação é difícil e nós conseguimos. Cada vez mais há empresas se voltando para a exportação. É preciso que as empresas tenham mais confiança e façam investimentos voltados para as exportações.
 

ISTOÉ – Não foi isso que aconteceu neste 2003?
Abílio Diniz

O que tem se notado neste 2003 é que muita gente exportou aquilo que chamamos de excedentes exportáveis, porque o consumo interno está muito baixo, sobrou mais para exportação. Isso criou um ímpeto de exportação que nós precisaríamos conservar porque é pela exportação que, eu acredito, o País deve crescer, para criar mais empregos e aumentar o consumo interno.
 

ISTOÉ – O Grupo Pão de Açúcar cancelou investimentos em 2003?
Abílio Diniz

 Nós não paramos de investir. Temos um nível de investimento
um pouco menor que no ano passado, mas isso é por decisão interna e até por estarmos aguardando algumas oportunidades de crescimento
por aquisições. Vamos continuar investindo e, se Deus quiser, investiremos fortemente em 2004.
 

ISTOÉ – O que é o projeto SuperBola, que, dizem, é sua grande paixão neste momento?
Abílio Diniz

Eu sempre tive vontade de fazer alguma coisa com os menores carentes, com jovens, tive vontade de fazer alguma coisa que os despertasse para uma vida saudável e que os desviasse das drogas, da violência, da criminalidade. Neste ano, eu resolvi fazer. O projeto SuperBola é o seguinte: nós montamos um supercampeonato, a SuperCopa Compre Bem, uma de nossas bandeiras, que recebeu 70 mil inscrições somente em São Paulo e seu entorno. Tive oportunidade de ver algumas “peneiras” e fiquei impressionado com o comportamento daqueles meninos querendo realmente um espaço. O campeonato começou com 2.300 e vai terminar com 72, que serão colocados no Centro de Treinamento que estamos construindo na marginal do Tietê. Estes, nós vamos prepará-los para depois serem encaminhados para clubes. Outros 100 serão preparados para trabalhar em supermercados.
 

ISTOÉ – O sr. foi pobre em alguma época de sua vida?
Abílio Diniz

Muito pobre. Estudei muito tempo no Glicério (região de cortiços na cidade). Meu pai me levava de manhã e eu passava muito tempo, até a noite, na várzea do Glicério. Eu tenho muita vontade de fazer alguma coisa por esses meninos carentes, esses jovens da nossa periferia. Estou feliz porque a coisa está dando certo. O centro de treinamento deve estar funcionando em fevereiro, no máximo em março.
 

ISTOÉ – E o projeto Doce Vila?
Abílio Diniz

Nós temos um programa aqui dentro, que se chama “Fale com o Abílio”, que, de 15 em 15 dias, traz 100 pessoas do chão de loja (caixas, repositores) que passam uma hora aqui no auditório conversando comigo, fazendo perguntas na maior informalidade. No último “Fale com o Abílio” foi colocado se, entre os benefícios que nós damos, não seria possível nós darmos financiamento para a casa própria. Nós dissemos que íamos ver. Isso envolveu a empresa inteira e nós montamos um esquema que nos permitirá neste final de ano entregar as 300 primeiras casas da primeira vila. Nós concedemos vários benefícios a nossos funcionários, especialmente bolsa de estudos. Mas eu quero ser a melhor de todas as empresas para se trabalhar. Esta empresa tem três pilares que a sustenta: uma sólida estrutura de capital, domínio total da tecnologia e aquilo que nós chamamos de nossa gente, ou seja, as pessoas que trabalham conosco. Não é à toa que nosso crachá traz a frase “Nossa gente faz a diferença”.

ISTOÉ – O grupo Pão de Açúçar, colocado em alguns rankings como o maior empregador do País, demitiu neste ano?
Abílio Diniz

 Fora os bancos, eu acho até que nós já somos o maior empregador do país, com mais de 60 mil funcionários. Mas isso não
nos preocupa, o que queremos é criar novos postos de trabalho. Neste final ano, estamos criando três mil e isso é importante para o País, é importante para nós, e as pessoas que trabalham aqui têm orgulho de estarmos gerando emprego.
 

ISTOÉ – O grupo tem planos de aquisições para 2004, o Bom Preço, por exemplo?
Abílio Diniz

Sobre o Bom Preço nós combinamos aqui dentro que não falaríamos. Mas é evidente que há possibilidade. Mas, se essa não vier, certamente outras poderão vir ou não. A questão de aquisições a gente não controla. O que nós controlamos é o crescimento orgânico e nós vamos acelerar esse crescimento no ano que vem.

ISTOÉ – A transição de empresa familiar para empresa profissional geralmente dá complicação. O sr., que sempre decidiu e mandou, se sente confortável em dividir decisões?
Abílio Diniz

Nós nos preparamos e treinamos muito isso no ano passado. Temos até dois psicólogos que trabalham com os membros da diretoria executiva, eu inclusive. Por todo esse preparo é que a transição está dando tão certo. Nós realmente nos preparamos para isso. Eu estou totalmente à vontade, me sinto muito bem. Ainda não tenho o tempo livre que eu acho que vou ter mais para a frente. Enquanto o time
estiver ganhando, vai continuar assim.

ISTOÉ – O sr. não votou no Lula, mas parece otimista com o governo dele. É isso mesmo?
Abílio Diniz

Não, eu votei no Serra (José Serra, do PSDB), mas no dia seguinte à eleição eu era do Lula e acreditei desde o primeiro momento muito no governo que ele vai fazer. Ele tem uma equipe muito boa.
O Palocci (Antônio Palocci, ministro da Fazenda) caiu do céu, ele é
mais uma prova de que Deus é brasileiro. Esta fazendo um trabalho excepcional. Não só ele. O time todo está fazendo um bom trabalho. Acho que ele tem pessoas fantásticas na equipe, como o senador
Aloizio Mercadante, que considero uma das peças mais importantes, o Guido Mantega, muito competente e profissional. Antes da eleição, eu
já tinha conversado com muita gente e já tinha quase certeza que o governo Lula iria dar certo. Além disso, houve uma aclamação no País
em torno do Lula que é muito difícil de acontecer, mas aconteceu.