Oh, não. Ele de novo? Sim, ele mesmo. Aos 45 anos, Michael Jackson, o auto-intitulado “rei do pop”, se meteu com criancinhas outra vez. Na quarta-feira 20, sua imagem, algemado com as mãos para trás sendo conduzido a uma porta lateral da prisão do condado de Santa Bárbara, Califórnia, repetiu-se como um looping bizarro pelas televisões de todo o mundo, ofuscando o encontro Bush-Blair e a carnificina em Istambul. Bizarro é um termo-chave para se entender o astro que conseguiu vender 60 milhões de cópias de um mesmo disco, o fenomenal Thriller, lançado em 1982. Momentos mais tarde, após desembolsar a bagatela de
US$ 3 milhões como fiança, Jackson foi solto fornecendo mais
imagens para as televisões. Desta vez vitorioso, como gosta de ser
visto. O astro aguardará julgamento em liberdade. Se condenado, pode pegar até oito anos de prisão.

O xerife de Santa Bárbara, Jim Anderson, e o procurador do condado, Thomas Sneddon, negociaram a rendição do cantor com seus advogados depois de investigações criminais sigilosas que já duravam mais de dois meses. Os detalhes sobre a acusação de abuso sexual apresentada contra Jackson por um menino de 12 anos teriam sido revelados pela criança em suas sessões de terapia, em Los Angeles. Segundo assessores, Michael e seus três filhos, Prince Michael I, Paris Michael e Prince Michael II, estavam em Las Vegas, filmando um clipe. O astro pop insinuou em um comunicado que as acusações têm a ver com o lançamento de seu mais novo disco, Number Ones, reunindo mais uma vez, a terceira, seus principais hits. O álbum chegou às lojas terça-feira 18, no mesmo dia em que cerca de 70 policiais vasculhavam cada centímetro de sua Neverland, Terra do Nunca, que teria sido visitada
pelo tal menino há três meses. O rancho mansão, dotado de zoológico, parque de diversões, linha de trem e doces à vontade, funciona como residência do auto-intitulado “Peter Pan” – muitos preferem chamá-lo Wacko Jacko, algo assim como “Jack, o piradinho”. Bizarro.

Três personalidades negras ouvidas por ISTOÉ nos Estados Unidos
deram seu veredicto. O reverendo Jesse Jackson, que não tem parentesco com o cantor, mas é o herdeiro de Martin Luther King no movimento pelos direitos civis, em conversa com Michael pouco antes deste se colocar sob a custódia da polícia, sentiu-o muito magoado.
Para o reverendo, “o Michael que conheço e considero irmão no fundo também é uma criança”, incapaz de causar danos a qualquer pessoa. Tal simpatia é compartilhada pelo cineasta Spike Lee, que o vê como uma vítima da cultura americana, “que fabrica e devora celebridades com o apetite de um monstro”, diz ele. Para Lee, Michael foi abusado pela família, gravadoras, políticos, fãs e, principalmente, aqueles que desejam pegar carona em sua fama e fortuna, avisando que “o apetite desta gente não vai acabar enquanto sua vítima não tiver desaparecido.”
No que depender da atriz e comediante Whoopi Goldberg é isso mesmo que deve ocorrer. “Não sinto pena”, diz ela, justificando que “com os advogados que pode pagar, se for condenado vai conseguir que o juiz o mande cumprir pena num reformatório juvenil, onde não terá nenhum problema em ser a mulher da cela”. Muito bizarro.

O problema é que existem dois Michaels. Como nas histórias em quadrinhos, há o Super-Homem original e sua projeção deformada, o Bizarro. No caso de Michael, originalmente um Super-Homem, ou melhor, um Superboy, essa projeção teria surgido com o sucesso de Thriller. Sétimo filho de nove irmãos, nascido em Gary Indiana, em 29 de agosto de 1958, Michael Jackson subiu ao palco pela primeira vez aos seis anos, três anos antes da caçula Janet Jackson nascer. O sucesso só viria em 1969 com o Jackson 5, que emplacou logo na estréia quatro primeiros lugares seguidos, feito inédito até hoje. Michael era tão espetacular que corria um boato, dos mais bizarros, que seria na verdade um anão. Em 1975 o grupo trocou a Motown, gravadora black, pela Epic, e quatro anos mais tarde Michael, então negro, magro, desengonçado e cheio de espinhas, surgiria com Off the wall, seu quinto disco solo, produzido pelo lendário jazzman Quincy Jones, um sucesso. A mistura irresistível de música negra, sucesso de rádio e balanço para pistas seria repetida em Thriller de 1982. Auxiliado por clipes irresistíveis, repetidos à exaustão pela nascente MTV, venderia de cara 24 milhões de cópias. Nascia o monstro. De repente o ex-menino prodígio tímido passou a andar com Paul McCartney, Mick Jagger, os cineastas Francis Copolla e George Lucas, enquanto ia mudando. Considerado a princípio tímido e retraído, Michael começou a dar mostras de ser esquisito, e, por que não dizer, bizarro.

Cada vez mais branco, com luvas em uma mão só, os mocassins com meias brancas, as turnês megalomaníacas que só davam prejuízo, os discos apenas razoáveis e os projetos típicos de uma mente pré-adolescente, Michael passou a dar mostras de ser maníaco por crianças. A bomba explodiu em 1993, quando um garoto de 13 anos, Jordan Chandler, contou a seu terapeuta de abusos que teria sofrido por parte do astro. Sempre elas. Suas descrições forçaram Michael a se despir diante de policiais em busca de confirmação. Subitamente a família retirou as queixas – em troca de módicos US$ 20 milhões, comenta-se. Por via das dúvidas, Michael casou-se em 1995 com a filha de Elvis Presley, Lisa Marie, o que não durou muito. No ano seguinte, Michael voltou ao altar com Debbie Rowe, enfermeira de seu cirurgião plástico, com quem nunca viveu, mas que lhe daria dois filhos – o terceiro é de mãe desconhecida. Uma década de bizarria.

Em 2003 Michael Jackson caprichou. Dias depois de dependurar o filho caçula da sacada de um hotel em Berlim, concedeu entrevista ao jornalista Martin Bashir, famoso por arrancar da princesa Diana o seu amor pelo empresário Al Fayed, ou seja, uma fera. E chafurdou em sandices, para dizer o mínimo. Entre outras coisas, declarou que não achava estranho uma pessoa de 45 anos dormir com crianças, atrapalhou-se com as plásticas, que limitou a duas, exibiu os filhos cobertos de panos, um horror. Para completar, a revista Vanity Fair publicou uma matéria em que o acusa de ter sacrificado 42 bois e pago US$ 150 mil a um bruxo africano para dar cabo de 25 desafetos, entre eles figuras-chave como Steven Spielberg. Mas, independentemente da vontade de seus defensores como Spike Lee ou antipatizantes como Whoopi Goldberg, Michael Jackson continuará fazendo o “V” da vitória para as câmeras. Pelo menos até o dia 9 de janeiro próximo, quando deve comparecer ao tribunal, acompanhado pelo advogado Mark Geragos, o mesmo que defendeu a atriz Wynona Ryder da acusação de furto em lojas. Os dois há meses preparam uma estratégia de defesa. Para quem foi pego de surpresa isso é um tanto… bizarro, não?