Passar em uma banca, comprar uma revista, abrir e dar de cara com uma reportagem falando sobre a lei de 1888 que aboliu a escravidão no Brasil? Parece um delírio que esse “fato” possa interessar a leitores brasileiros no novo milênio. Mas este é um dos grandes desafios e trunfos de Nossa História, revista que acaba de ser lançada pela Fundação Biblioteca Nacional e editora Vera Cruz: rever a história com enfoque atual, ponderações que vão muito além dos limites encontrados em livros escolares e, quem
diria, até revelações curiosas de 500 anos atrás. Na última categoria, inclui-se a matéria “Brasil de todos os pecados”, sobre as transgressões sexuais nos tempos da colônia. Assinado pelo professor de história da Universidade Federal Fluminense Ronaldo Vainfas, o texto descreve as manias e as neuroses que dominavam as camas – ou melhor, redes e matas – de portugueses e índios, cuja tórrida convivência nos primórdios de nossa civilização gerou pecados inéditos.

A religião, como sempre, enrola-se com o erotismo e todos tinham
medo de arder no inferno por excesso de prática de sexo. Nas tabernas, discutiam se fornicar era pecado: “Uns diziam que era, mas não mortal, apenas venial. Outros, que dormir com uma índia duas ou três vezes
não condenava ao inferno. Mas sete vezes era inferno certo.” O que dizer, também, de uma reportagem que conta o dia-a-dia de um
vice-rei? Embora dom Luís de Almeida Portugal, o marquês de Lavradio, tenha exercido tal cargo em 1779, é impossível não se condoer com
seus problemas, já que ele se sentia um estranho no Rio de Janeiro.
Por outro lado, esse nobre deve ser uma das poucas pessoas no mundo a olhar a paisagem da cidade e achar “a vista sumamente desagradável”. E nem tinha favela na época.

O presidente da Biblioteca Nacional, Pedro Corrêa do Lago, resumiu o espírito que pretende nortear a revista: “Um corpo editorial de primeira e participação de ilustres historiadores do País.” O ministro da Cultura, Gilberto Gil, deu a bênção: “Uma biblioteca é uma casa que espera a visita dos que vêm de fora. Essa iniciativa busca outro tipo de
diálogo, de dentro para fora.” É como se os documentos saíssem
das bibliotecas e ganhassem as ruas estabelecendo contato com
o público. Com periodicidade mensal e tiragem inicial de 50 mil exemplares, Nossa História é um produto de alta qualidade, embora
uma diagramação mais leve, especialmente nas páginas dedicadas a notas, como Almanaque e Novembro 2003, possa contribuir para a
revista ficar mais leve. Enfim, Nossa História é uma maneira simples de narrar nossa complexa formação.