O presidente Lula está cultivando o estilo de dar recados sobre política interna em seus périplos internacionais. Das altitudes temperadas de Santa Cruz de la Sierra (Bolívia), durante a 13ª cúpula Ibero-americana, disparou um jato de água fria nos políticos afoitos que querem apressar
a reforma ministerial: “Quem troca ministério e discute com os partidos
é o presidente”, avisou. Entre os alvos do comentário estão membros
da alta cúpula palaciana e do PMDB. Mas o que seria uma advertência para abrandar a sofreguidão em busca de cargos acabou aguçando a guerra pelas cadeiras. Para o público interno, o estrilo de Lula não é inédito. Quando voltou da África, desautorizou seu núcleo duro de especular sobre nomes e o calendário da reforma. Disse que a
reforma é indelegável: “Quem decide sou eu. Montei o ministério e
a responsabilidade é minha.” Dito e feito. Na terça-feira 18, Lula
se reuniu com os caciques do PMDB e prometeu: “A reforma será
feita entre o dia 15 de dezembro e o Natal. Até lá, dá tempo para
fazer a reforma que eu quero.”

A advertência de Lula na Bolívia tinha o objetivo de neutralizar
um embate travado na Casa Civil, do ministro José Dirceu (PT-SP),
e na Secretaria Geral da Presidência, tocada pelo reservado Luís
Dulci (PT-MG). Ambos fazem discretos movimentos para ampliar a ascendência sobre o presidente. Dulci, o ghost-writer de Lula, teria identificado a manobra para afastá-lo da vizinhança. Amigos de Dulci dizem que a intriga começou com a divulgação de notas nos jornais, segundo as quais ele assumiria a Educação, no lugar de Cristovam Buarque (PT-DF). O posto de Dulci é cobiçado por Tarso Genro, que preside o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, e por
Dirceu, que quer dividir a tarefa de negociar cargos e verbas com o Congresso. Dirceu gostaria de nomear alguém que o livrasse da superexposição e do rótulo de todo-poderoso.

O tamanho da reforma também opõe Dulci a Dirceu. O chefe da Casa
Civil tem defendido a extinção de mais de uma dezena de pastas,
entre ministérios e secretarias. Já Dulci defende mudanças pontuais
e a manutenção das secretarias especiais: das Mulheres, presidida
por Emília Fernandes, da Igualdade Racial, por Matilde Ribeiro, e da
Pesca, do marejado José Fritsch. Lula começou a ouvir seu núcleo de poder sobre o desempenho dos ministros e já emitiu sinais de que a reforma será cirúrgica. Não anunciou decisões, exceto a de entregar
duas pastas ao PMDB, que cobiçava três para ratear entre as bancadas da Câmara, do Senado e os governadores.

Nas sondagens há uma convergência entre Dirceu, Dulci e Luiz Gushiken (Secretaria de Comunicação), o chamado núcleo duro. Três deverão ser desalojados: Benedita da Silva (Assistência Social), Anderson Adauto (Transportes) e Roberto Amaral (Ciência e Tecnologia). Nenhuma dessas pastas está prometida ao PMDB. O Ministério da Assistência Social deve ser incorporado ao Fome Zero, que continuaria com José Graziano. E o PSB escolheria um novo nome para a Ciência e Tecnologia. “Por nós, Amaral fica”, diz o líder do PSB, Eduardo Campos (PE). No PL há uma disputa entre o vice-presidente da República, José Alencar (MG), e o presidente do partido, deputado Valdemar Costa Neto (SP), para indicar o sucessor de Adauto. Lula deverá acolher o nome indicado por Alencar, o deputado Jaime Martins (MG).

O PMDB, que já cobiçou a Educação e a Integração Nacional, de Ciro Gomes (PPS-CE), agora prefere os ministérios das Cidades, de Olívio Dutra (PT-RS), e das Comunicações, de Miro Teixeira (PDT-RJ). Na
briga pelas vagas, o único nome certo é o do líder do PMDB na Câmara, Eunício Oliveira (CE), ainda sem pasta definida. Para a outra vaga brigam três senadores: Hélio Costa (MG), Garibaldi Alves (RN) e Romero Jucá (RR), o preferido do presidente do Senado, José Sarney (RR) e do líder Renan Calheiros (AL). No Palácio, Garibaldi é o mais cotado. Em Alagoas, na quinta-feira 20, Lula comentou: “A especulação dificulta as chances de quem está na vitrine.”

Além dos ‘imexíveis’ (Dirceu, Dulci, Antônio Palocci e Gushiken), Lula garantiu mais um ministro. Disse que Ricardo Berzoini (PT-SP), da Previdência, fica. O presidente pediu a todos um relatório minucioso
de suas ações e detalhes dos gastos. “Eu não quero olhar só nomes, quero ver as ações também”, tem dito Lula. Quem ficar terá de dar um “salto de qualidade” em 2004.

 

Alemão versus Baiano

O senador Antônio Carlos Magalhães (PFL-BA) não abandona os velhos hábitos. A folha política do cacique baiano é marcada por ameaças e denúncias de corrupção contra adversários, mas os supostos dossiês e provas nunca aparecem e tudo fica por isso mesmo.
Na terça-feira 18, ACM acusou de ladrão o presidente de seu partido, o senador Jorge Bornhausen (SC). ACM partiu para cima de Bornhausen irritado pelo fato de o site do
PFL ter reproduzido uma entrevista na qual o líder da Câmara, José Carlos Aleluia (BA), criticava a inexperiência do neto de ACM. Aleluia, um ex-carlista, é pré-candidato à Prefeitura de Salvador e seus planos podem ruir porque ACM manda e desmanda no PFL baiano. No bate-boca, ACM disse que Bornhausen estava “roubando o partido”. Bornhausen explicou ao colega que já havia retirado a notícia. ACM, de forma áspera, não se deu por satisfeito. “Você terá de prestar contas do dinheiro que vocês estão roubando do partido”, acusou. Vários bombeiros entraram em cena para apagar a crise, mas não adiantou. A explicação de ACM complicou ainda mais. “Não tive o propósito de dizer que ele era desonesto. Meu propósito era dizer que ele está utilizando mal os recursos do partido, do ponto de vista político. Ou seja, privilegia grupos de pessoas que não merecem, em matéria de honestidade. E citei os casos a ele”, explicou-se ACM. Bornhausen reuniu o partido na quinta-feira 20, licenciou-se do cargo e entrou com um pedido para expulsar o capo baiano. Na reunião, contou que o bate-boca quase acabou em sopapos. “Ele disse que ia me dar uma bofetada. Eu expliquei que ele não tentasse fazer isso porque haveria revide e seria muito ruim para todos. Ele (ACM) se levantou, passou pelas minhas costas e falou: ‘Eu não vou lhe atacar pelas costas, eu vou pedir as contas do partido’”, contou. Pelo estatuto, a executiva pode expulsar sumariamente ACM, como fez com o ex-deputado Hidelbrando Pascoal. O Senado assiste a tudo inerte.

Weiller Diniz