Usando o mesmo plano de Napoleão para invadir a Argélia duas décadas antes, 34 mil soldados franceses desembarcaram em 1830, em Sidi Ferruch, a 27 quilômetros da capital Argel. Esse seria o início da colonização francesa no país, que duraria até 1962. Irritado com a ocupação, o sultão do Império Otomano mandou os argelinos reterem os navios franceses. Para resolver esse impasse, o rei francês Luís Felipe decidiu, então, enviar seu embaixador Charles de Mornay para uma missão no Norte da África. Essa expedição chegou dois anos depois e com o aristocrata Mornay embarcou o jovem artista Eugène Delacroix (1798-1863), na época com 34 anos. O pintor romântico foi comissionado pela realeza para retratar em suas telas a “heróica” ocupação. Mas os seis meses que passou no Norte da África iriam não apenas mudar completamente sua pintura como também mostrariam ao mundo uma nova ótica das ex-colônias da França. Delacroix e os artistas que viajariam anos seguidos pelo litoral da Argélia levaram luz ao cotidiano local. Através de duas exposições imperdíveis, De Renoir à Delacroix e Herança da Argélia, arte e história – ambas no Instituto do Mundo Árabe (IMA), em Paris, até janeiro de 2004 –, a França revê seu passado colonialista e apresenta novas vertentes de uma nação rica em cultura e arte. Denis Bauchard, presidente do IMA, enfatiza o lado político do evento. “Trata-se de um projeto cultural e político porque tentamos revelar o enriquecimento mútuo entre o Ocidente e o Oriente. Existe de nossa parte o compromisso de mostrar a contribuição do mundo árabe às nossas civilizações”, afirmou a ISTOÉ.

Luminosidade –De Renoir à Delacroix reúne centenas de telas, gravuras e fotos produzidas entre 1832 e 1882, assinadas por artistas que viajaram ao Norte da África, influenciando posteriormente a pintura francesa e européia. Para Eugène Delacroix, em particular, a Argélia revelou-se um cenário esplendoroso, repleto de cores fortes e dotado de uma luminosidade ímpar. O pintor transitou entre as cidades litorâneas de Oran e Argel. Na capital argelina, Delacroix foi o único pintor a ter acesso a um harém, onde desenhou e conversou com as mulheres. O encanto pelas exóticas damas e seus magníficos adereços pode ser apreciado na tela Mulheres em seu apartamento (1834), mais tarde classificado pelo colega impressionista Pierre-Auguste
Renoir (1841-1919), que também fez inúmeras incursões pela Argélia, como “o quadro mais lindo do mundo”. Delacroix traria belas aquarelas e gravuras em sua bagagem de volta a Paris. As imagens do continente africano eram tão vivas na memória do pintor romântico que os
quadros em óleo sobre o tema seriam pintados anos mais tarde.
Assim, 15 anos depois do regresso à França, ele produziu uma de
suas mais renomadas pinturas, Mulheres da Argélia em seu interior (1849), uma nova versão de Mulheres em seu apartamento. Exposto
nos salões de Paris, Mulheres da Argélia foi arrebatado pelo rei Luís
Felipe para a coleção particular do Palácio de Versalhes. O quadro
foi ainda descrito na época pelo poeta Charles Baudelaire como “um pequeno poema do interior, repleto de calma e silêncio”.

Orientalismo – Mas os pintores “orientalistas”, como eram chamados os que se encantavam pelo Oriente, muitas vezes se recusavam a alisar a cabeça do rei e a assumir o papel de propagandistas da ocupação francesa, como desejava a realeza nessas missões além-mar. “Foi reservado aos europeus, desde 1832, destruir a Argélia e a bel-prazer as casas mouriscas… Parece-me que com nossos fraques e boinas introduzimos na terra da África um outro clima e novas condições de existência”, disse ironicamente o pintor Delacroix. Das visões
críticas à ocupação francesa àquelas fiéis à aristocracia, a exposição revela um leque imenso de registros românticos, do impressionismo ao realismo etnográfico. Horace Vernet, pintor oficial da realeza, fez uma apologia à glória dos combatentes franceses frente às tropas dos argelinos de Abd el-Kader em O combate de Somah (1839). Em outros quadros, contudo, as batalhas, retratadas em cenas fortes e violentas, deixam explícito o abuso dos colonizadores. Alguns artistas, como foi o caso de Renoir, voltaram inúmeras vezes à Argélia. Fascinado pela luxúria do campo, o impressionista transpôs para a tela o frescor das bananeiras em Campos de bananeiras, e a beleza das camponesas argelinas em Jovem argelina e Argelina sentada, três das 15 telas de sua autoria selecionadas para a exposição.

Outros artistas, como Alfred Delobbe, jamais partiram de volta à França. Mas muito antes de os franceses atracarem seus navios na Argélia, o país já havia passado por inúmeras civilizações, desconhecidas até pela numerosa comunidade argelina que vive hoje na França. Herança da Argélia, arte e história retrata nada menos que um milhão de anos de cultura e história do país. Do período pré-histórico às invasões fenícias, romanas e bizantinas, foram escolhidas 300 peças para ilustrar a complexidade desses períodos. Tesouros neolíticos como as pinturas rupestres de Tassili podem ser vistas em perfeito estado, porque tiveram a sorte de ser conservadas pelas areias do deserto do Saara. Do coração do Mediterrâneo, partiram as cerâmicas de Tiddis, que atravessaram intactas épocas e civilizações. A mesma Argélia visitada por Renoir e Delacroix passou pelo domínio árabe com a expansão do islamismo, entre os séculos VII e XIX, antes da conquista da França. Dos milhares de anos de civilizações que abrigaram desde o cristianismo até o judaísmo, a religião islâmica e a língua árabe são as que simbolizam mundialmente a Argélia contemporânea. Mas a cultura dessa nação, revelada de forma esplêndida no Instituto do Mundo Árabe, encanta os olhos com sua diversidade.

 

Museu do Quai Branly

As margens do rio Sena e aos pés da Torre Eiffel será inaugurado em 2006 o Museu do Quai Branly. O nobre endereço, com área
de 7 mil m2, foi concebido para abrigar
300 mil peças da arte primitiva da África,
Ásia, Oceania e das Américas. Através
de uma coleção permanente e de exposições temporárias, se buscará apresentar uma nova perspectiva das artes não-européias. Uma pequena mostra da coleção permanente são as 120 esculturas expostas no Museu do Louvre na seção da África, Ásia e Oceania, inaugurada em 2000. Muitas peças serão transferidas do Museu do Homem e do Museu Nacional da Ásia e da África. As obras de madeira, tecido, couro e outros materiais delicados estão passando por um processo especial de conservação denominado anóxia, que consiste na retirada do oxigênio para eliminar os microorganismos. Projetado pelo arquiteto Jean Nouvel e o paisagista Gilles Clément, o Museu do Quai Branly terá uma bela arquitetura contemporânea que reservará, logo em sua entrada, um jardim tropical. O museu também abrigará um auditório de 450 lugares para apresentações de dança, música e teatro correlatas às exposições. Uma sala de estudos deverá ser palco das discussões de antropólogos e outros acadêmicos do mundo inteiro.