Poucos casos de corrupção são tão escrachados, inegáveis e demolidores em seu teor, como aqueles mostrados por meio de áudio e vídeo, com a negociata correndo solta entre corrompido e corruptor, exibida sem retoques numa sucessão de cenas constrangedoras e vergonho­sas. A deputada Jaqueline Roriz (PMN-DF), filha do ex-governador da capital federal, protagonizou uma dessas situa­ções, que veio a público em março, e teve seu mandato julgado na Câmara na semana passada. Boa parte do País viu as imagens deploráveis. Pilhada em flagrante tomando um maço de dinheiro para caixa 2 de campanha e reclamando que queria mais, Jaqueline saiu-se de vítima: “Fizeram isso comigo, com a minha honra”, disse em sua defesa na plenária, aplaudida por colegas e simpatizantes. Na liturgia policial, o episódio da deputada forma o arco completo de um crime. Existe o autor identificado, a prova, o delito tipificado, a confissão e, mesmo assim, para a indignação geral dos cidadãos, ninguém foi punido. Uma artimanha marota livrou Jaqueline Roriz da cassação. Seus “juízes” parlamentares interpretaram que não houve quebra de decoro no caso por se tratar de fato ocorrido antes de sua eleição para o Congresso. Numa conveniente votação secreta, prevaleceu o espírito de corpo e autopreservação da espécie. Fica assim estabelecida daqui para a frente uma nova jurisprudência política: para os respeitáveis senhores membros do Legislativo, o passado não condena. Qualquer um deles pode ter praticado as maiores barbaridades antes de assumir uma vaga na Casa que, durante seu pleno exercício do mandato, não sofrerá perseguição ou castigo. Estará acima do bem e do mal, privilegiado com foro especial e imunidade parlamentar. A casta de nossos políticos dá, dessa forma, um péssimo exemplo ao Brasil. Absolvida por maioria absoluta entre seus pares, Jaqueline Roriz vai continuar exercendo o seu mandato por obra e graça de um Congresso coalhado de alianças espúrias, esquemas vergonhosos e apadrinhamentos inaceitáveis. É imoral o voto praticado por aqueles que apoiaram Jaqueline Roriz na absolvição. O interesse público ficou em segundo plano, amarrotado pela lei do corporativismo que acobertou o malfeito e expôs da pior maneira a sujeira do poder. Um momento lamentável de nosso Legislativo. Um dia para ser esquecido.