Nada de violência ou alguma doença terrível, como o câncer ou a Aids. O que mais mata as crianças brasileiras de um a 14 anos são as chamadas lesões não intencionais, como acidentes de carro, atropelamento, afogamento e queimaduras, entre outras. Ou seja, as principais causas de morte dos pequenos são eventos totalmente evitáveis, e com medidas simples, como recorrer sempre ao cinto ou aos assentos de segurança no carro ou impedir que a criança se aproxime do fogão quando se está cozinhando.

Felizmente, estão surgindo iniciativas para aumentar a conscientização de pais, médicos e de outros profissionais envolvidos com a segurança infantil sobre a gravidade do problema. Um dos responsáveis pelo contra-ataque é a organização não-governamental Criança Segura Safe Kids Brasil, que atua no País desde junho. Na semana passada, a entidade lançou o programa Criança Segura no Carro, com o objetivo de informar a população sobre as formas corretas de acomodar os pequenos nos automóveis. A campanha, feita em parceria com a GM do Brasil, será realizada inicialmente em São Paulo, Curitiba e no Recife. Nessas cidades, algumas concessionárias da GM abrirão suas portas para orientar os pais em datas marcadas previamente. Além disso, em toda a rede haverá à disposição folhetos explicativos. A empresa também preparou três veículos para servirem como uma espécie de exposição móvel de instalação e verificação dos itens de segurança destinados às crianças (mais informações podem ser obtidas nos sites www.gmcenter.com.br ou www.criancasegura.org.br .

Para falar sobre os perigos que rondam as crianças, ISTOÉ conversou com o cirurgião pediátrico Martin Eichelberger, 56 anos, presidente mundial da Safe Kids WorldWide, criada em 1987 nos Estados Unidos e hoje com representação em países como a Áustria e China, além do Brasil. Nascido em Salvador (BA) e pai de dois filhos, o médico fundou a entidade porque não se conformava em ver diariamente no hospital onde trabalha, em Washington, crianças morrendo vítimas de situações que poderiam ter sido prevenidas. “Os pais vêm me perguntar: por que isso aconteceu com o meu filho e o que eu poderia ter feito para evitar? Minha resposta foi criar a Safe Kids. Queria desenvolver uma vacina contra essas perdas”, diz.

ISTOÉ – Quais os resultados do trabalho da ONG nos Estados Unidos?
Eichelberger – O índice de mortes por acidentes não intencionais caiu 35% desde a criação da entidade. Só a taxa de letalidade por queimadura baixou quase 45% graças à instalação de maior número de sensores de fumaça. Noventa e cinco por cento das crianças que morreram de queimadura nos Estados Unidos estavam em locais onde não havia detector. E o índice de mortalidade por acidentes com automóvel diminuiu 4% a 5% em dez anos. Esse tipo de acidente, envolvendo veículos, é o que mata mais crianças. Hoje, a rua é um lugar muito perigoso para elas.

ISTOÉ – O que fazer para mudar esse quadro?
Eichelberger – É preciso explicar para os pais como criar um espaço mais seguro no carro. Se a criança for colocada na cadeirinha, a chance de sobreviver a um acidente de carro é de cerca de 70%.
ISTOÉ – Mas às vezes é difícil convencer a criança.
Eichelberger – É uma questão de disciplina. Se você a coloca desde pequena, quando ela crescer entrará no carro e procurará a cadeira. Só mudando a sensibilidade do pai, da mãe, da sociedade, vamos mudar isso.

ISTOÉ – E como evitar os atropelamentos?
Eichelberger – Crianças com menos de dez anos nunca devem atravessar a rua sozinhas. Outra medida é ensinar a criança a parar na calçada e olhar se vem carro nas duas direções antes de atravessar.

ISTOÉ – Em relação a outros acidentes comuns, como afogamentos, o que é possível fazer?
Eichelberger – Uma das providências é ensinar a criança a nadar e nunca deixá-la sozinha perto de uma piscina, por exemplo.

ISTOÉ – Para muitos pais, algumas medidas parecem exagero, como exigir que a criança ande de bicicleta com capacete.
Eichelberger – Está errado pensar isso. Se a criança cair e estiver de capacete, a possibilidade de que ela sofra uma lesão cerebral séria é pequena. É preciso sensibilizar a mãe, o pai, todos. O Criança Segura é o amor do cidadão pela criança. Tomando atitudes de prevenção, estamos demonstrando que elas são muito importantes. E quando percebem que temos interesse nelas, a auto-estima dessas crianças aumenta. Um ato simples, como colocar o capacete no filho, é um ato de amor que vai mostrar à criança o quanto ela é importante.

ISTOÉ – O sr. tomou esses cuidados com seus filhos?
Eichelberger – Meu filho hoje tem 26 anos e minha filha 24. Ele me disse que não usaria o capacete. Respondi: está bem, mas você não vai usar a bicicleta. Na minha frente, pelo menos, ele não usou. Minha filha é muito mais receptiva às orientações. Tenho de sentir que fiz tudo o que podia fazer.

ISTOÉ – Qual o perfil das crianças com maior risco de serem vítimas das lesões não acidentais?
Eichelberger – É difícil falar de um perfil brasileiro sem uma pesquisa sobre isso. Nos Estados Unidos, a criança com maior risco é menino, cinco anos, sem pai e pobre.

ISTOÉ – O sr. fala da importância de conscientizar os pais sobre os riscos. E os governos?
Eichelberger

– Temos de trabalhar com o governo para que leis sejam mudadas. Mas nada muda para o governo sem a sociedade querer. Por isso, todo dia é preciso reforçar a importância de lutar pela segurança das crianças.