Em entrevista exclusiva a ISTOÉ, Mick Jagger fala deseu quarto disco solo, Goddess in the doorway, dafamília e (pouco) do filho brasileiro

Aos 58 anos, Mick Jagger não enfrenta a crise da meia-idade. É ele mesmo quem afirma nesta entrevista exclusiva a ISTOÉ. Com inabalável bom humor, ele calcula que não alcançará uma idade muito alta. Mas os percalços e excessos lendários do vocalista dos Rolling Stones – a maior e mais duradoura banda de rock do planeta – não parecem ter diminuído sua energia. Depois de exaustiva turnê do álbum Bridges to Babylon, dos Stones, Jagger não foi colocar os pés de molho no conforto da vida doméstica. Aproveitou o tempo livre para gravar no seu fantástico estúdio caseiro o CD Goddess in the doorway, seu quarto vôo solo depois de Wandering spirit, lançado em 1993. E deixou de lado a segurança de seus companheiros de banda para juntar-se a uma constelação de amigos famosos – entre eles Lenny Kravitz, Pete Townshend e Bono, vocalista do grupo irlandês U2 –, num trabalho que mescla guitarras vigorosas com letras reflexivas e biográficas de alguém que há muito tempo ancorou no porto da maturidade. Tudo empacotado em ritmos capazes de colocar para dançar seus fãs, jovens e cinquentenários.

Também usou o cenário do lar, tendo a própria prole como coadjuvante no documentário Being Mick para a televisão americana. Álbum e vídeo são complementares e guardam inesperado ineditismo. Pela primeira vez exibem o Mick Jagger pai. Uma intrusão consentida em sua privacidade. “Não tenho problema em mostrar minha família, desde que eu possa controlar o que vai ser mostrado”, justifica. Assim, colocou para trabalhar as filhas Elizabeth e Georgia May – cuja mãe é a ex-mulher Jerry Hall –, criando a pedido delas uma participação especial nos backing vocals da canção Brand new set of rules. São as mesmas crianças para quem papai Jagger diz não impor nenhum conjunto de regras fixas de conduta. O cantor e compositor acha difícil falar com elas sobre sexo e drogas. Ou seja, do tripé que definiu sua geração sobra apenas o rock’n’roll a ser compartilhado. Determinações de um senhor roqueiro.

Goddess in the doorway, o álbum, reflete esta maturidade. Nada da rebeldia ainda adolescente e presente nas músicas dos Stones. A ausência da guitarra subversiva de Keith Richards permite que Jagger retire a fantasia extravagante de bad boy do rock, para vestir roupas mais discretas. Em Hide away, por exemplo, ele fala de alguém que tem sucesso, dinheiro, mulheres mas reconhece que o acúmulo não é tudo na vida. Soa autobiográfico? “Todas as canções, de certo modo, são autobiográficas, mas poderiam ser cantadas por qualquer pessoa”, afirma. Hide away, cujo ritmo está mais para world music, fala de uma história familiar. Só que ninguém como Jagger envergaria o traje completo de grande burguês. Na faixa Joy – um gospel –, ele canta com Bono sobre alguém em busca de Buda… mas no volante de um carro possante. E em God gave me everything, composta em parceria com Kravitz, apesar do agradecimento ao Todo-Poderoso, recorda a velha pauleira do início dos Stones. A prestigiada revista americana Rolling Stone considerou o álbum um clássico. Não é. Trata-se apenas de um bom CD cujo autor trocou o costumeiro salto alto por um confortável e sensato chinelo de ficar em casa.

A pequena abertura para revelação de sua intimidade, porém, obedece a limites individuais bem estabelecidos. Primeiro, sua assessoria avisou que a vida privada do astro estava fora de questão. Mas, diante das circunstâncias de um disco e documentário tão reveladores, quem poderia deixar de lado os detalhes íntimos? Nas duas vezes em que Mick Jagger foi entrevistado por ISTOÉ sua gentileza discordou da figura de mito. Desta vez foi igual. Jagger só entronizou a estrela numa última pergunta: a inevitável sobre seu polêmico filho caçula, o brasileiro Lucas, que ele teve com a modelo e apresentadora Luciana Gimenez. A resposta não só veio curta, como encerrou de vez a conversa.

ISTOÉ – Por que você decidiu lançar um álbum solo depois de oito anos?
Mick Jagger

Eu estava com muito tempo disponível, logo depois da turnê Bridges to Babylon, com os Rolling Stones. Comecei a compor algumas canções em casa e depois, pouco a pouco, foram chegando mais outras. Aí comecei a gravar estas músicas no estúdio lá de casa, sozinho ou com um par de amigos. E a coisa cresceu. Então, achei que deveria entrar no estúdio para valer. Ou seja, o álbum cresceu do nada.

ISTOÉ – E qual é a diferença entre um disco solo de Mick Jagger e um dos Rolling Stones?
Mick Jagger

É completamente… quer dizer, toda gravação tem um mesmo núcleo, mas o disco solo tem um astral totalmente diferente. Como eu disse, comecei este projeto em casa, e é um pique muito diferente quando você está sozinho cantando e tocando guitarra de quando você está na companhia de cinco ou seis pessoas. No vôo solo fica totalmente por sua conta e gosto decidir qual o caminho a ser tomado ou quantas faixas você vai usar e como vai usá-las. Claro que tenho maior controle do que quando estou com os Stones, mesmo com muitas pessoas dando sugestões e idéias. Mas no final a decisão é minha.

ISTOÉ – Goddess in the doorway parece bem calcado na dance music. Ao mesmo tempo, os críticos têm dito que este álbum segue a tradição de canções como Satisfaction, Brown sugar ou Start me up. Você concorda com estas posições?
Mick Jagger

Não tem nada a ver com este tipo de canção. Quem falou isso foi a revista Rolling Stone, mas o crítico errou. O que talvez possa trazer esta interpretação seja a guitarra que eu toquei e que tem o gene dos Stones. Um crítico da Rolling Stone disse que as melhores músicas dos Stones são aquelas que se apóiam mais na guitarra. Isto pode ser verdade até certo ponto, e daí viria a analogia entre Goddess in the doorway e alguns sucessos marcantes dos Stones. Quando você junta um grupo de pessoas para gravar um álbum de rock e se apóia basicamente na guitarra, o resultado é uma banda tradicional de rock’n’roll. Daí, talvez, venha esta percepção de semelhanças.

ISTOÉ – Este álbum evoca dança, mas ao mesmo tempo mostra um certo grau de vulnerabilidade sua ou certa carência espiritual. Você está se tornando mais brando e filosófico? Mick Jagger estaria ficando mais manso?
Mick Jagger

Acho que este álbum tem uma gama muito variada de opções musicais. Trata-se de um cardápio extenso. Algumas canções são bravas, nervosas. Outras são engraçadas. E há ainda as mais espirituais e as que buscam o relaxamento. É aí que estão os momentos mais mansos. Mas há outros momentos do Jagger nervoso. É claro que os momentos de reflexão espiritual também fazem parte de minha vida. Eu fico satisfeito que este tipo de sentimento seja incluído no disco. Mas acho também que se deve ter uma boa dose de humor sobre tudo.

ISTOÉ – Na canção Hide away, você fala de uma pessoa que tem uma vida não muito diferente da sua. Na verdade, ele pode ser Mick Jagger, ou seja, tem tudo, como sucesso, mulheres, dinheiro, fama, mas a idade o fez mais sábio e ele sabe que a vida não é só brilho. Esta seria uma canção autobiográfica?
Mick Jagger

Bem, todas as canções, de certo modo, são autobiográficas. Hide away fala sobre um sujeito cuja vida ficou altamente estressante e ele quer cair fora disso tudo. O que, na verdade, é algo muito comum. Todo mundo tem este sentimento uma vez ou outra, não importa qual a situação em que você esteja. É por isso que a pessoa vai para a praia. Quer deixar para trás os negócios, as preocupações.

ISTOÉ – Parece um pouco a crise da meia-idade. Você já chegou neste momento?
Mick Jagger

Acredito que há muito eu passei desta fase. Não tenho mais idade para ser incluído na faixa da meia-idade. Com a vida que eu tive, você acha que vou viver até os 110 anos? (risos).

ISTOÉ – No show case que você fez em Los Angeles para a apresentação de Goddess in the doorway disseram que sua produção contratou algumas modelos para ficarem gritando na platéia. É verdade?
Mick Jagger

O show foi feito para um especial de tevê. Quem organizou tudo foi a rede de televisão. Acho que chamaram as modelos para embelezar mais o cenário. Se elas gritaram, espero que não tenha sido por dinheiro. Gostaria de pensar que foi por minha causa.

ISTOÉ – Este álbum tem um número impressionante de convidados especiais. Como foi a escolha desta gente?
Mick Jagger

Bem, muitos deles são meus amigos. É sempre bom trabalhar com quem tem uma musicalidade semelhante à sua. Por exemplo, Lenny Kravitz, Bono e Pete Townshend eu conheço de longa data. Quando decidi fazer um álbum solo, eles disseram que desejavam participar. Outros, que eu não conhecia tão bem, tinham me dito para eu contar com eles num disco solo.

ISTOÉ – Muitos artistas dizem que odeiam as excursões, mas você parece gostar das maratonas dos palcos. Não é cansativo?
Mick Jagger

Você tem razão. Eu adoro as excursões, amo o contato com o público. O problema é que estas turnês, às vezes, são muito longas. E, se você excursiona por muito tempo, as coisas começam a ficar muito loucas. Aí complica. Mas, do contrário, não tenho nenhum problema com excursões.

ISTOÉ – Numa entrevista para esta revista, o guitarrista Keith Richards, seu colega de Rolling Stones, disse que ele era como uma antena parabólica. Quando compunha, na verdade estava captando músicas que estão soltas no ar. De certa forma, você também age assim?
Mick Jagger

Há muitas maneiras de se compor músicas. Um dos modos é muito consciente, no qual você escreve um verso e em seguida coloca a música sobre ele. Muitas canções pop se baseiam em clichês simples do tipo: The moon in june. Você simplesmente pega estes clichês e trabalha sobre eles. Outras vezes, você está escrevendo e a coisa surge inconscientemente. Acho que é neste sentido que o Keith fala da antena parabólica. Mas, para mim, a canção não surge do ar. Ela vem de dentro. Estas são as duas vias maiores da minha inspiração.

ISTOÉ – Em relação a outros ritmos, você não parece ser um entusiasta do rap. Por quê?
Mick Jagger

Ao contrário, ouço muito rap. Individualmente, sigo o gênero desde o começo. Claro que era mais interessante no início, porque era algo novo. Depois, foi incorporado ao establishment musical. Mas eu ouço de tudo.

ISTOÉ – Você colocou suas filhas Georgia May e Elizabeth para cantar no acompanhamento de uma das faixas de Goddess in the doorway. Elas estariam começando uma nova dinastia de roqueiros da marca Jagger?
Mick Jagger

Não sei, elas gostam de cantar. A coisa aconteceu porque eu estava trabalhando no estúdio lá de casa e elas apareciam e diziam: “Ah! Eu adoraria cantar esta canção.” Elas me pediram e eu deixei.

ISTOÉ – No documentário Being Mick, você aparece em cenas caseiras, filmes domésticos. Seria um modo de mostrar o Jagger familiar?
Mick Jagger

Na verdade, a maior parte do documentário, feito para um especial de tevê, se passa no estúdio. Começou comigo filmando. Peguei a câmera e comecei a registrar cenas. Filmei um bocado de coisas. O resultado final mostra a gravação deste álbum, na qual foram incluídas algumas cenas das crianças andando pela casa. O documentário não é centrado na família.

ISTOÉ – De qualquer modo, para um rock star é mostrar bastante da vida familiar.
Mick Jagger

Desde que eu possa controlar o que vai ser mostrado, não tenho nenhum problema. O problema é quando eu não tenho controle e outra pessoa detém o poder desta exposição.

ISTOÉ – Como o pai Jagger fala sobre assuntos delicados com os filhos? Recentemente você disse que no tocante a sexo é sempre complicado, mas que, em termos de drogas, simplesmente diz: ?Eu já tomei isso e o que aconteceu foi isto. Se você quer que isto aconteça contigo, vá em frente.? Este tipo de conversa realmente ocorre?
Mick Jagger

É sempre muito difícil. Você não sabe direito o que dizer. Trato tudo como uma conversa, mas não falo tudo. O assunto que você menciona realmente ocorreu com alguns de meus filhos, mas não com todos. Não dá para falar tudo sobre a nossa experiência.

ISTOÉ – E com relação ao seu caçula, você tem algum contato com seu filho brasileiro, o Lucas?
Mick Jagger

(Mudando totalmente de astral) É claro que tenho, sempre.