A única coisa decente no futebol brasileiro, dentro e fora de campo, vem de uma cidade média da região metropolitana de São Paulo que a maioria dos torcedores brasileiros nem sequer sabe localizar no mapa. Na segunda-feira 26, o mundo voltou os olhos para São Caetano. O time de camisas azuis do ABC paulista entrou para o seleto grupo das melhores equipes do futebol internacional ao aparecer em 10º lugar no ranking semanal da CNN e da revista americana Sports Illustrated. Pelo menos até o domingo 2, o Azulão estará entre companheiros do quilate do Bayern de Munique, campeão mundial de 2001, do italiano Juventus e do espanhol Real Madrid, com um elenco avaliado em pelo menos US$ 500 milhões.

Enquanto o vizinho do ABC, São Bernardo, agoniza com o rebaixamento para a sexta divisão do paulista (leia texto à pág. 72), o bicho-papão azul comemora o feito de ter garantido o primeiro lugar na fase inicial do Brasileiro na penúltima rodada. A campanha brilhante inclui vitórias sobre adversários do porte de Vasco, Flamengo, Santos, Corinthians, Palmeiras, Grêmio e Internacional.

Os técnicos dos grandes clubes costumam justificar fracassos com a desculpa de que as equipes foram desmontadas com a venda dos craques. Jair Picerni, treinador do Azulão há dois anos, desmoralizou esse argumento. Após a final do Brasileiro de 2000, ele perdeu todos os destaques do time: os laterais César e Japinha, o atacante Ademar e o meia Claudecir. Em vez de partir para a choradeira, montou um grupo tecnicamente inferior, porém ainda mais competitivo, que marca no campo do adversário, sai em bloco para os contra-ataques, joga pelas laterais e busca o gol até o fim. E se dá ao requinte de jogar com apenas um volante, Simão, em meio aos cabeças-de-bagre que distribuem pernadas no meio-de-campo dos adversários.

O craque do time atual é o atacante Anaílson, um sujeito mirrado (1,65 metro de altura e 59 quilos) e folclórico. Ele acredita em fantasmas de noivas que atacam de madrugada. E garante que por pouco não foi levado, na infância, por um certo Nego d’Água, figura de 80 centímetros de altura e três dedos em cada mão, em Estreito, no Maranhão, onde nasceu. “Minha mãe me puxou com força para fora do rio, enquanto o Nego d’Água desaparecia”, conta o atacante. Antes de estourar no São Caetano, Anaílson, 23 anos, ex-jogador do Rio Branco de Americana, ficou conhecido por ter sido suspenso com o colega Sandro Hiroshi, contratado pelo São Paulo. Os dois falsificaram a idade. Eram “gatos”. O sucesso do Azulão, que gasta R$ 650 mil mensais com a folha de pagamento do futebol contra R$ 2,2 milhões do Flamengo, levou o técnico da Seleção, Luiz Felipe Scolari, a observar Anaílson e o colega Esquerdinha, um veterano de 33 anos. “Se continuarem assim, poderão ser chamados”, promete Felipão.

O comportamento do São Caetano reflete a coragem de Jair Picerni. Ex-lateral da Ponte Preta, técnico medalha de prata nos Jogos de Los Angeles, em 1984, admirador de um chopinho gelado, Picerni é defensor incondicional do futebol bonito. Elege Telê Santana como exemplo e acha que toda Seleção deveria jogar como a da Copa de 1982. “Assumo o risco de levar uma chicotada de vez em quando. Se isso ocorre, converso com o grupo dois dias depois, para tirar proveito de cabeça fria”, afirma. A tática parece funcionar. Na estréia, o Azulão levou uma “chicotada” de 5 a 0 do Bahia. Mas, apesar da goleada, a equipe tem, até agora, a defesa mais eficiente do campeonato. A inveja dirigida a Picerni deve estar provocando gastrite em muito técnico convicto de que retrancas salvam. Isso é ótimo. Poderá contribuir para transformar essa coisa que está sendo vista nos gramados novamente em futebol. 

… e o bicho papado

Enquanto o São Caetano brilha, o clube da vizinha São Bernardo, cidade sede da Volkswagen e berço do moderno sindicalismo brasileiro, disputa com o pernambucano Ibis o título de pior time do mundo. O Cão, como é conhecido no ABC, ficou 470 dias sem vencer e foi rebaixado de forma vergonhosa para a sexta divisão do futebol de São Paulo (leia quadro acima). Nas primeiras 21 rodadas da série B-2, a “quintona” paulista, conquistou apenas um ponto. No dia 21 de maio do ano passado, o Cão derrotou o Tupã por 1 a 0. A vitória marcou o início de um longo período de trevas. Entre amistosos e partidas oficiais, foram 24 derrotas e quatro empates, até a tarde gloriosa do último dia 2 de setembro passado, quando o time venceu em casa, por 2 a 1, o Santacruzense, de Santa Cruz do Rio Pardo. A vitória do Cão no torneio foi saudada pela imprensa como “o milagre da B-2”. Mas, como pouco azar é bobagem, semanas depois o Santacruzense foi retirado do campeonato por não ter R$ 2.500 para pagar a cota de arbitragem. A Federação Paulista anulou os resultados do Santacruzense no campeonato. Resultado: o Cão, que pagava salário mínimo a 85% dos jogadores, perdeu os três pontos da única vitória conquistada no torneio e, mais lanterna do que nunca, foi rebaixado para a sexta e última divisão, com apenas dois pontos. “Não somos covardes. Estamos reavaliando o elenco e vamos lutar na B-3 em 2001”, afirma o supervisor do clube, Jurandir Martins.