Com as sacolas cheias, muitas clientes de butique nem imaginam que as peças cobiçadas nas vitrines dos shoppings são produzidas nos bairros do Brás e do Bom Retiro, em São Paulo. Juntos, eles formam o maior centro atacadista de confecção da América do Sul e se tornaram uma referência no segmento. Ao produzir roupas que atendem a todas as classes, esses pólos comerciais chamam a atenção até em outros continentes. Empresários da África do Sul, por exemplo, atravessam o oceano para comprar roupas na região. De olho no filão internacional, o Brás vai expor suas marcas na Feira Internacional da Indústria Têxtil (Fenit), evento que acontece anualmente em São Paulo. “O Bom Retiro já participa. Agora, chegou a hora de o Brás mostrar suas criações”, comemora Fábio de Souza, da WSS Comunicação, empresa que está promovendo o evento.

Produto é o que não falta. No Bom Retiro, que concentra 1.800 lojistas, uma rua chama a atenção: a José Paulino, tradicional ponto-de-venda. No Brás, são cinco mil lojas criando suas próprias coleções. Algumas delas chegam a fabricar 600 mil peças por mês. Mas de onde vem a inspiração para criar os modelos? Ali Rkain, que há 20 anos está no comércio do Brás, conta o segredo. “Frequento feiras de moda em Milão e na Califórnia e brechós em Londres para conhecer as novas tendências do mercado”, explica o empresário, que é dono da marca Recruta, especializada em moda surfe feminina. O mesmo recurso é usado por Patrícia Chang, estilista e proprietária da Profit, loja de moda feminina que produz seis modelos novos por dia. Para garantir essa variedade, Patrícia viaja até cinco vezes por ano aos Estados Unidos e à Europa para conhecer as novidades do mundo fashion. “Tenho que estar atenta. Desenho roupa para uma estação pensando na próxima”, conta ela.

Quem anda pelas ruas agitadas do bairro pode comprar o mesmo modelo de jeans vendido nos shoppings, eventualmente com outra etiqueta. A diferença está no preço. Uma calça que custa R$ 30 no Brás é vendida por até R$ 80 em lojas mais sofisticadas. “Isso é possível porque aqui o comércio é muito dinâmico e quem vende muito pode vender mais barato. Mas o nosso forte é o comércio atacadista”, explica Walter Zucolin, presidente da Associação dos Lojistas do Brás. Além disso, a matéria-prima usada na produção das roupas é adquirida diretamente do fabricante. “Não existe o intermediário, que é o que geralmente encarece o produto”, conta Shlomo Shoel, presidente do Clube dos Diretores Lojistas do Bom Retiro. A qualidade das mercadorias também seduz. “As roupas que compro aqui são excelentes. Tenho uma clientela exigente que, no entanto, aprova tudo o que levo”, conta a empresária Nélia Gobbo Ferreira, que frequentado a região há sete anos e é dona de uma butique em Vitória (ES).

Charme – A afirmação da empresária mostra que a fama de que esses dois centros só produzem roupas populares de qualidade duvidosa não é verdadeira. “Essa idéia está ultrapassada. Queremos, antes de tudo, oferecer bons produtos e atender bem”, afirma Zucolin. O visual das lojas mostra que o que ele diz faz sentido. Quem passa pela rua Miller, por exemplo, pode admirar charmosas lojas com vitrines bem modernas. Algumas dispõem até de serviço de café criado especialmente para o conforto do cliente. “A maioria está sempre com pressa e não sobra tempo para almoçar. Aqui eles podem comer um lanche, tomar um cafezinho, um chá e até um uísque para relaxar”, diz Patrícia Chang. Ela foi uma das pioneiras do movimento que transformou a rua Miller. “Uma loja que vende moda deve estar na moda também”, diz.

Outra iniciativa que facilita o acesso dos clientes é a segmentação de produtos nas ruas. Ou seja, quem vai comprar jeans deve procurar a rua Maria Joaquina, onde 28 lojas vendem só esse tipo de roupa. Na Maria Marcolina predominam as roupas de cama, mesa, banho e enxovais. Na Miller, apenas moda feminina. “Aqui é o melhor lugar do mundo para comprar”, declara Rose Mary Oliveira, lojista de Uberaba (MG), que vem a cada 15 dias a São Paulo em busca de novidades. Com a proximidade do Natal, as visitas se tornam ainda mais frequentes. “Nunca houve um final de ano em que não tivéssemos sucesso de vendas”, comemora Zucolin. Pelo jeito, nos balcões do reduto comercial ninguém sabe o que é crise.