O americano Keith Kilpatrick foi surpreendido por um sério bloqueio intestinal no último dia 22 de novembro. Uma hora depois de sentir as primeiras dores, não conseguia sequer beber um gole d’água. A situação já seria preocupante se o californiano estivesse em sua casa. Mas Kilpatrick, um navegador de 40 anos, ficou doente em pleno oceano Índico, a bordo do Amer Sports One, um dos oito veleiros que disputam a Volvo Ocean Race, ex-Whitbread, a milionária competição de vela considerada a Fórmula 1 dos mares. Numa operação arriscada, um helicóptero militar australiano lançou pacotes com medicamentos no barco. Kilpatrick foi medicado, mas teve de esperar cinco dias para que o veleiro se aproximasse da costa oeste da Austrália e ele pudesse ser resgatado. Medicado em um hospital de Albany, ele passa bem. Quer estar entre os tripulantes no próximo dia 26 de dezembro, quando o barco sairá de Sydney para a terceira perna da competição.

Histórias dramáticas como a de Kilpatrick são as marcas dessa competição que, desde 1973, combina os mais sofisticados recursos de navegação com a elite de aventureiros profissionais da vela. Junto com a America’s Cup e as provas olímpicas, ela forma a tríplice coroa do esporte náutico. ISTOÉ acompanhou os trabalhos na marina e a largada para a segunda perna, na Cidade do Cabo, África do Sul. A largada desta oitava edição foi em Southampton, na Inglaterra, em setembro. Até 9 de junho de 2002, oito barcos com 96 tripulantes de 17 países darão a volta ao mundo, percorrendo 32.250 milhas náuticas, ou cerca de 60 mil quilômetros. Nove países serão visitados, entre eles o Brasil – a chegada à Marina da Glória, no Rio, está marcada para o dia 19 de fevereiro.

Cada edição da Volvo Ocean Race consome US$ 250 milhões. Colocar uma equipe na linha de largada não custa menos de US$ 20 milhões. Os veleiros são espartanos, mas contam com sistemas de transmissão de dados via satélite, computadores e três velas imensas. A maior delas, a spinnaker, mede 300 metros quadrados, o equivalente a um apartamento de classe média alta no Rio de Janeiro ou em São Paulo. Apesar de todos os recursos, atravessar os oceanos com 12 ou 13 pessoas, espremidas num barco de apenas 19,5 metros, é tarefa para gente corajosa. Os alimentos frescos pesam mais e exigem aparelhos de conservação. Por isso, o cardápio, praticamente igual em todos os barcos, é composto de barras energéticas e comidas desidratadas à base de macarrão e arroz, além de um gel concentrado de carboidrato, chamado fast fuel (combustível rápido). Cada tripulante deve calcular o consumo para que sua parte dure até o final da perna. “Nos últimos dias do percurso, o barco vira um balcão de trocas”, conta o americano John Kostecki, comandante do Illbruck, vice-líder da etapa atual, atrás do veleiro SEB, e primeiro na pontuação geral da competição. “As pessoas oferecem barbeadores, roupas limpas e prometem dinheiro na chegada em troca de uma simples barra de cereais”, completa. As tripulações dormem em beliches que mais parecem prateleiras e trabalham 24 horas por dia, em rodízio, divididas em três equipes. “Os capitães cochilam quando é possível”, diz em tom de lamento o neozelandês Grant Dalton, comandante do barco finlandês Amer Sports One. Outro problema é a saudade da família. A preparação e a disputa consomem um ano. Por isso, muitos comandantes aproveitam os intervalos entre as etapas para visitar seus países, e os tripulantes marcam encontro com familiares nos portos oficiais. A produtora de tevê parisiense Caroline levou a filha Chade, dois anos, à Cidade do Cabo para ver o pai, Sidney Gavignet, tripulante do barco sueco Assa Abloy. “Eu também amo a liberdade. Por isso, entendo o meu marido”, disse Caroline.

Diante de tantas provas de fogo, a disposição da equipe do Amer Sports Too, o único barco tripulado somente por mulheres, chega a surpreender. Cada uma das 13 meninas enfrentou a primeira perna, que durou 31 dias, com dois conjuntos de roupa, cinco calcinhas e uma escova de dentes. Banhos são abolidos durante a travessia. “O jeito é prender o cabelo, esquecer a vaidade e trabalhar”, revela a comandante Lisa McDonald. Entre uma perna e outra, fazem a manutenção do barco. Esses serviços incluem reparos na ponta do mastro de 26 metros – altura equivalente à de um prédio de nove andares –, com a tripulante sustentada apenas por uma corda. O sacrifício compensa. Os tripulantes ganham entre U$$ 50 mil e US$ 150 mil pela participação na Volvo Ocean Race. Os comandantes, entre US$ 300 mil e US$ 1 milhão. Um dinheiro capaz de financiar um bom período de férias com a família. Ao lado de um pequeno e romântico veleiro.