Sequestro é o crime que mais cresce em São Paulo. Nos últimos anos, o número de pessoas que foram mantidas em cativeiro subiu assustadoramente. Como se não bastasse, os perfis do criminoso e da vítima também mudaram. Agora qualquer um pode ser alvo, já que a vítima não precisa mais ser rica: basta ter um carro mais ou menos ou andar bem vestida. Foi o caso do comerciante Josenildo Pereira da Silva, sequestrado, em março, porque tinha um Mitsubishi. Os ladrões exigiram R$ 500 mil, mas depois que a família pechinchou, resolveram fazer um abatimento e o resgate baixou para R$ 10 mil. No entendimento dos criminosos, quem tinha um carro daqueles poderia pagar um bom resgate. Para encurtar a história, a polícia estourou o cativeiro após uma denúncia anônima, libertou o comerciante e prendeu três bandidos. Outro drama com final semelhante foi vivido por uma empresária de 37 anos. Dona de uma butique, ela passou sete dias no cativeiro. Na terça-feira 27, foi deixada sozinha no esconderijo e conseguiu ser resgatada pela polícia depois de encontrar um telefone celular e pedir ajuda. Nesse momento, dezenas de famílias de São Paulo passam pelo drama de ter um parente em poder de bandidos. Na Secretaria de Segurança ninguém revela o número de sequestros em andamento, mas a situação chegou a tal ponto que agora até filho de sequestrador está sendo sequestrado. Foi o que aconteceu com o adolescente Paulo de Tarso Dantas Júnior, 15 anos, filho do ex-PM Paulo de Tarso, condenado pelo sequestro e morte do menino Ives Ota, oito anos, em 29 de agosto de 1997. Na época, Paulo de Tarso, Sérgio Eduardo Pereira da Silva, também PM, e Adelino Donizete Esteves faziam bico como segurança nas lojas do comerciante Massataka Ota, pai de Ives. Os três mataram o menino e continuaram negociando o resgate. O filho do sequestrador teve melhor sorte. Ficou cinco dias em um cortiço em Guaianazes, na zona leste da cidade, e foi libertado na terça-feira 27, por policiais da Delegacia Anti-Sequestro. Dois bandidos foram presos, um deles menor de idade. A notícia do sequestro de Paulo de Tarso Júnior foi recebida com surpresa e desconfiança por Ota. “Essa história é muita estranha. Como é que sequestraram um menino que o pai está preso e a família não tem dinheiro para pagar o resgate?”, indagou o comerciante. “Isso está me parecendo algo forjado para me culpar e comover a opinião pública sobre a situação do pai do garoto, que se encontra preso. O que eu sei é que nunca ameacei a família dele e ele não sofreu o que sofri quando estava negociando a vida do meu filho”, lembrou. Ota faz muitas palestras em escolas, onde costuma exaltar a importância do amor fraterno entre os homens. Atualmente, realiza um trabalho voluntário no presídio da Polícia Militar. Entre os beneficiados está o homem que matou seu filho.

A explosão de sequestros em São Paulo pode ser observada pelas estatísticas da Secretaria de Segurança Pública, que registrou, em 1999, 18 casos no Estado. No ano passado, o número subiu para 63, e este ano, até o dia 27 de novembro, o placar da violência registrava 215 ocorrências. Para as autoridades, a explicação é uma só: “Há uma banalização”, disse o delegado Godofredo Bittencourt Filho, diretor do Departamento de Investigações sobre Crimes Patrimoniais (Depatri). “O alvo dos bandidos não está mais restrito aos grandes empresários. Qualquer ladrão hoje vira sequestrador e na área estão atuando primários, ladrão de caixa eletrônico, assaltantes de banco e traficantes que migraram para este tipo de crime”, enumerou o diretor. Quanto às vítimas, Bittencourt é curto e grosso: “Basta ter um carro em bom estado e andar bem arrumado.” O Depatri registrou 113 sequestros-relâmpago no mês de setembro e mais 83 no mês de outubro. Os dados de novembro, no entanto, Bittencourt preferiu não revelar, mas ressaltou que a maioria dos casos acontece na capital e que 80% deles ocorrem na zona sul. “Do começo do ano para cá, mais de 70% dos sequestros foram esclarecidos e 130 pessoas estão na cadeia”, garantiu o delegado. Sobre quatro sequestros a pé ocorridos recentemente, Bittencourt preferiu não dar detalhes, mas disse que continua investigando “minuciosamente” cada um deles.

Os sequestradores hoje não fazem mais levantamento prévio sobre a vida e os hábitos das vítimas. Agem assim: acordam cedo, vão para as ruas e atacam quem tem cara de rico. “O valor do resgate varia de acordo com as posses das vítimas ou conforme o seu limite de crédito, no cheque especial ou em outras instituições financeiras”, avaliou o delegado Olavo Reino Francisco, da Seccional Sul. Há duas semanas, ele prendeu Márcio Baptista dos Santos e Cássio Yoshio Yamada, que confessaram a autoria de 122 sequestros-relâmpago na capital. “Eles pegavam as vítimas, levavam para um cativeiro, interrogavam e descobriam tudo sobre elas: limite de crédito, de cheque especial, e depois sacavam o que podiam”, contou o delegado, acrescentando que cada sequestro durava em média três horas. A dupla foi presa em flagrante quando mantinha em cativeiro um economista, que saiu cedo de casa para jogar tênis. Segundo Reino, os ladrões vinham agindo desde agosto de 2000 e conseguiam entre R$ 3 mil e R$ 5 mil por vítima: “Faturaram quase R$ 1,5 milhão do ano passado para cá.”

CPI – Para entornar mais ainda o caldo da criminalidade, o presidente do Sindicato dos Delegados de São Paulo, Paulo Roberto Siquetto, 50 anos, acusa o secretário de Segurança Pública, Marco Vinício Petreluzzi, de maquiar os índices da violência no Estado. Siquetto afirma que a natureza dos crimes está sendo modificada nos boletins de ocorrência. “Fui procurado por delegados de plantão que me disseram que seriam obrigados a adulterar os boletins porque a ordem tinha partido de cima”, ressaltou. “Assassinatos já foram registrados como incêndio, encontro de cadáver, morte a esclarecer e até chacina com três mortos foi computada como sendo apenas um homicídio. Desse jeito é muito fácil baixar os índices da violência. Se é para fazer assim nem precisa de secretário, basta pôr um computador lá que ele resolve tudo”, concluiu o delegado. A maquiagem foi verificada em boletins lavrados em Taboão da Serra, Embu e Itapecerica da Serra, municípios estes onde os policiais civis são subordinados ao delegado seccional Romeu Tuma Júnior. Em entrevista coletiva, na segunda-feira 26, Petreluzzi considerou absurdas as acusações: “Se houve erros, eles foram isolados. E quem afirma que há uma conspiração para maquiar os índices da criminalidade só pode ter interesses escusos.” Mas a repercussão dos fatos chegou à Assembléia Legislativa como uma bomba. O deputado estadual Vanderlei Siraque (PT-SP) propôs a abertura de CPI para investigar as possíveis irregularidades. O pedido da CPI dos Boletins de Ocorrência foi protocolado na quarta-feira 28, com 35 assinaturas, três a mais do que o mínimo necessário. “Antes de pedir a abertura de CPI, conversei com diversos delegados e a grande maioria revelou que realmente existe uma grande pressão por parte da Secretaria de Segurança Pública para que se adultere a natureza dos crimes nos boletins de ocorrência”, afirmou Siraque. “E isso é muito grave porque a polícia utiliza os números da criminalidade, apurados através de boletins de ocorrência, para direcionar suas ações. Se esse índice é modificado, representa grande prejuízo no combate ao crime e à violência, além da população estar sendo enganada”, disse o deputado. “Se os boletins são adulterados como será que eles tocam os inquéritos? São conduzidos ou são esquecidos? Sobre isso, também precisamos saber e esclarecer”, ressalta. “A coisa mais difícil hoje é conseguir dado estatístico em qualquer delegacia de polícia. Quando os números são solicitados, ninguém passa nada e a resposta é que tudo está centralizado na Secretaria de Segurança. Isso, definitivamente, não pode continuar assim”, conclui Siraque.


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