Felizmente a literatura se renova e, de vez em quando, aparecem novos autores dispostos a dissecar o comportamento humano com muito estilo. O americano Chris Offutt é um deles. Ao lançar seu primeiro romance, O irmão bom (Rocco, 336 págs., R$ 34), ele se insere no restrito círculo das melhores promessas da sua geração. Offutt revela especial habilidade ao descrever a erosão interna de uma pessoa de temperamento estóico, depois que entra num necessário e doloroso processo de despersonalização. O bom irmão a que se refere o título é Virgil Caudill, sujeito simples que gostava de si mesmo e do mundo em que vivia, uma pequena cidade plantada nas montanhas do Kentucky, esquecida pelo resto dos Estados Unidos. Na delicada e elogiável tradução de Paulo Reis, ele tem um sotaque de caipira brasileiro que corresponderia aos caipiras de lá. Seu jeito troncho e direto de falar ajuda muito a entender a devastação da sua identidade a partir do dia em que matam seu irmão.

Pelas tradições locais, ele teria de matar o assassino e se tornar o próximo a ser caçado. Espremido entre o desejo de seguir a vida admirando a belezura de um céu estrelado e a pressão para vingar a morte do irmão, Caudill sucumbe às normas regionais. Assassina o matador e decide “morrer estrategicamente.” Assume outro nome, muda de cidade, mas não consegue esconder as raízes. A obra retrata um universo americano pouco conhecido, sem glamour, muito longe da propalada imagem de povo vencedor, de onde salta um submundo curioso, sinistro, e ainda vivo. Chris Offutt – que até então se notabilizava em antologias de contos e colaborações em veículos de comunicação – mostra sua capacidade para a fábula, num trabalho altamente respeitável.