Para conseguir aprovar o projeto de lei que flexibiliza a aplicação da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), o governo usou os mais eficientes argumentos para convencer parte de sua base na Câmara que estava contra a proposta: dinheiro e ameaças. Somente nos primeiros quatro dias úteis de dezembro, a Secretaria de Desenvolvimento Urbano, órgão da Presidência e um dos executores das emendas individuais propostas pelos parlamentares, liberou R$ 14,3 milhões para obras de interesse dos deputados. A mesma secretaria gastou R$ 19 milhões em todo o mês de novembro. Isso só foi possível porque a SDU desengavetou créditos orçamentários de 1999 que estavam retidos com a desculpa de controlar o déficit público. Somente na terça-feira 4, dia da votação, foram feitas 128 liberações. Nas três semanas finais de discussão do projeto, o presidente Fernando Henrique Cardoso e seus ministros entraram duro na batalha pelos votos.

O Secretário Executivo da Presidência, Arthur Virgílio, telefonou ao deputado Damião Feliciano (PMDB-PB), que era contra o projeto e mudou de lado. Apelidado de Bin Laden pelo líder do PMDB Geddel Vieira Lima, em razão da sua voracidade em busca de apoio, Virgílio ameaçou o coordenador da bancada governista do Piauí, Mussa Demis (PFL): se o governo não obtivesse os votos necessários, as emendas ao Orçamento apresentadas pela bancada do Estado não seriam liberadas. Mussa Demis, que já era a favor, garantiu os votos. O chefe da SDU, Ovídio de Angelis, ameaçou vetar as emendas dos deputados do PMDB Pedro Chaves (GO), Norberto Teixeira (GO) e Osmar Serralvo (PR), também contrários. Eles votaram a favor. FHC conseguiu que o governador do Distrito Federal, Joaquim Roriz, mudasse os votos dos deputados Alberto Fraga e Jorge Pinheiro, ambos do PMDB.

“As liberações de emendas antigas são ilegítimas, ferem a Constituição e a Lei Orçamentária, o que pode levar o presidente a responder na Justiça por crime de responsabilidade”, protesta o deputado Agnelo Queiroz (PCdoB-DF). A guerra pela flexibilização da CLT também contou com o apoio da Força Sindical, o braço operário do ministro do Trabalho, Francisco Dornelles.

Salários reduzidos – A Força conseguiu aprovar projetos e assinar convênios normalmente demorados. Recebeu mais de R$ 1 milhão para treinamento de mão-de-obra. O presidente da Central, Paulo Pereira da Silva, dirigente do PTB, ameaçou deixar o partido e fez com que o líder da bancada na Câmara, Roberto Jefferson (RJ), deixasse os deputados apoiar o governo. Com a flexibilização da CLT, patrões e empregados poderão assinar acordos coletivos para reduzir salários, parcelar o pagamento de décimo terceiro, dividir o período de férias e acabar com vantagens como o adicional do trabalho noturno e as multas legais nas demissões. As obrigações previdenciárias e o FGTS ficam intocáveis. O projeto é polêmico e desgasta o político perante o eleitorado. Por isso, a maioria da bancada do PMDB decidiu rejeitar as mudanças. O presidente do partido, deputado Michel Temer (SP), votou contra. Ele aponta brechas na Constituição que permitem contratar trabalhadores sem os atuais custos legais obrigatórios para as empresas, mas tem outra explicação: “Precisamos recuperar a credibilidade do partido”, argumenta. Geddel Vieira Lima (PMDB-BA) orientou sua bancada a recusar a proposta. Ele admite que poderia ser favorável, caso fossem feitas alterações no texto impedindo, por exemplo, o excessivo parcelamento das férias. Mas a razão principal foi outra. “Dei um lustro na imagem porque preciso do povo nas eleições”, revelou na reunião de líderes governistas com o presidente, no dia seguinte à votação.

Somente 24 dos 84 deputados do PMDB votaram a favor do projeto de flexibilização da CLT. Mas esse escore desfavorável ao governo revela uma estratégia eleitoral dos parlamentares peemedebistas. O deputado Benito Gama (BA), que é a favor do mérito do projeto, rejeitou apelo do ministro da Fazenda, Pedro Malan, alegando que não prejudicaria sua campanha para o governo da Bahia. A mesma desculpa foi dada pelo deputado Henrique Eduardo Alves, pré-candidato ao governo do Rio Grande do Norte. Apesar de ser favorável ao projeto, acabou votando contra para não se prejvudicar. O projeto vai para o Senado, onde o presidente Ramez Tebet (PMDB-MT) já avisou que é contra a votação em regime de urgência, como ocorreu na Câmara. O assunto só deve ser votado em março ou abril. Até lá, o maior partido governista no Congresso vai manter a posição dúbia, combinando com Fernando Henrique Cardoso o descolamento do Palácio do Planalto para se viabilizar eleitoralmente e evitar que a base do partido escolha o governador Itamar Franco como o candidato para as eleições presidenciais do ano que vem.