Perto do fim, a fé do mulá Mohammad Omar parece ter titubeado. O supremo líder do fanático movimento islâmico Taleban, ao se ver cercado e com boas chances de se transformar num mártir rumo ao paraíso muçulmano, preferiu negociar a rendição e permanecer um pouco mais no reino deste mundo. Poderia ter dado certo: o comandante das tropas de oposição, Hamid Karzai, acenou com a possibilidade de anistiar todos os talebans que se rendessem, entregando a cidade de Kandahar. O último reduto do regime afegão seria dado de bandeja às forças de oposição, com o mulá Omar indo viver uma aposentadoria “digna”. Ou seja: para Omar, o céu pode esperar. O problema nesta barganha é que Washington não concordava e o secretário da Defesa dos Estados Unidos, Donald Rumsfeld, respondeu de imediato que as intenções de seu país eram a de enviar ao criador toda a liderança Taleban e da al-Qaeda. Ameaçou com o corte de futuras e generosas ajudas financeiras ao novo governo do Afeganistão, caso essa vontade não fosse respeitada. Restou ao mulá a mesma opção seguida por seus comandados: a tentativa de fuga na calada da noite. Na sexta-feira 7, Kandahar, a capital espiritual do Taleban, caiu.

Até o fechamento desta edição, o paradeiro do líder taleban era ignorado, mas sua captura ou morte era dada como certa num futuro próximo. Enquanto as tropas do comandante Karzai entravam na cidade procurando os inimigos de casa em casa, outro destacamento da oposição tomava a estratégica cidade de Spin Boldak, fechando assim a única rota de fuga dos derrotados para o Paquistão. Não houve muita resistência por parte dos guardiões deste local ou mesmo de Kandahar. Aqueles que não tentaram fugir durante a madrugada do dia 7 entregaram as armas, cortaram a barba e prometeram se adaptar ao novo regime. Dois dias antes, um acordo entre as facções de oposição foi firmado numa reunião promovida sob os auspícios da ONU na Alemanha. Ficou decidido que Karzai, político ligado aos pashtuns, a maioria étnica afegã, ocupará o cargo de primeiro-ministro, enquanto 12 outras lideranças étnicas ganharam postos no governo. Essa solução parece ser do agrado de quase todos os envolvidos na política do país – dos nativos aos vizinhos Paquistão, Irã, Rússia e outros. Ainda que haja uma voz discordante, a do poderoso general Rachid Dostum. Trata-se de um vozeirão, pois o desagrado de Dostum pode significar a guerra civil.

Ao mesmo tempo que Karzai era apontado na Alemanha para o cargo de primeiro-ministro, no Afeganistão ele estava sob a mira errante dos bombardeios americanos. Uma bomba inteligente, mais uma vez provando burrice, caiu a cerca de 90 metros de onde estava Karzai, quase eliminando o recém-eleito governante. Ele escapou por pouco, saindo da experiência levemente avariado, mas ainda em condições de combate. Menos sorte tiveram três soldados americanos que morreram nesse “fogo amigo”.

Nem todos os petardos americanos, porém, saíram pela culatra. As tropas da al-Qaeda, com os voluntários estrangeiros que reforçam as forças do líder Osama Bin Laden, têm sido aniquiladas de modo sistemático. Os serviços de inteligência ocidentais e das forças rebeldes apontam para o complexo de cavernas de Tora-Bora, a leste de Kandahar, como último reduto da al-Qaeda. O lugar, uma fortaleza dentro de montanhas que se assemelham a um enorme queijo suíço, vem sendo bombardeado pelos aviões americanos e atacado pelas tropas de infantaria da oposição afegã. Na quarta-feira, 5, o egípcio Ayaman al-Zawahiri, líder do movimento al Jihad, que se uniu a al-Qaeda, foi dado como morto. Ele é o segundo homem no comando da organização. Caso se confirme sua morte, este teria sido um duro golpe para os terroristas. Restaria, assim, apenas o próprio Bin Laden, sepultado em vida e à espera do martírio que o levará ao paraíso de 72 virgens em que acredita.