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Desde que ascendeu ao trono do Marrocos, o rei Mohammed VI vem liderando um processo gradativo e contínuo de mudanças. A mais visível delas afetou diretamente as mulheres, que ganharam o direito ao divórcio e, na legislação, deixaram de ser consideradas inferiores aos homens. Por iniciativa do monarca, a poligamia também foi banida do país. Aos 45 anos, Mohammed VI planejou comemorar com pompa e circunstância sua primeira década de reinado, recém-completada. Antes de começar os festejos, concedeu indulto a 40% da população carcerária do país, medida que beneficiou quase 25 mil pessoas. No auge da festa, durante o tradicional discurso do trono, ele se declarou empenhado em continuar sua política de modernização e antecipou que pretendia realizar uma "profunda reforma da Justiça". Aclamado nas ruas – onde chegou a desfilar a cavalo -, Mohammed VI mostrou uma outra faceta quando ousaram fazer uma pesquisa sobre o seu reinado.

O triste fim da festa real ocorreu na manhã do sábado 1o de julho, quando a polícia invadiu em Casablanca a gráfica que acabava de imprimir a revista marroquina "TelQuel", editada em francês, e sua versão em árabe, a "Nichane". Cem mil exemplares das publicações foram apreendidos e destruídos porque, esclarece nota do Ministério do Interior, é proibido "atentar contra a religião muçulmana, a monarquia e a integridade territorial". Diante da repercussão da medida, o ministro da Comunicação, Khalid Naciri, não demorou a deixar ainda mais clara a posição do governo. "A monarquia não pode ser objeto de debate nem por meio de sondagem", afirmou Naciri.

Ninguém nem sequer discutiu os resultados da pesquisa, altamente favoráveis a Mohammed VI. De acordo com levantamento feito pelo LMS-CSA, filial marroquina do instituto de pesquisas francês CSA, 91% dos entrevistados classificam os dez anos do reinado de forma positiva ou muito positiva. No país, com 32,4 milhões de habitantes, 75% dos entrevistados têm como sagrada a figura do monarca, que é considerado descendente direto de Maomé. Em relação à economia do Marrocos, que vem crescendo a um ritmo entre 4% e 5% desde que Mohammed VI assumiu o poder, também não há críticas, embora o próprio rei tenha como uma de suas metas diminuir a desigualdade social entre os súditos.

Para 83% dos entrevistados, os negócios privados do monarca, que correspondem a 6% do produto interno bruto do país, favorecem a economia marroquina. Em sintonia com as riquezas naturais do país, que abriga dois terços das minas de fosfato do mundo, Mohammed VI investe principalmente na extração e exportação do produto, fundamental para a produção de fertilizantes agrícolas. Formado em direito e em relações internacionais, com doutorado pela universidade francesa de Nice, Mohammed VI nunca fala sobre fosfato. A venda do produto, no entanto, garante a ele o sétimo lugar no ranking da "Forbes" entre os mais ricos da realeza (leia quadro). E, no ano passado, quando todos amargavam em milhões seus prejuízos por causa da crise econômica mundial, o monarca marroquino foi o único do grupo a aumentar sua fortuna – de US$ 1 bilhão para US$ 2,5 bilhões – devido à venda de commodities.i134105.jpg

O ponto que registra maior discordância entre o rei e seus súditos é justamente o mais caro a Mohammed VI: o novo código da família (Moudawana), aprovado em 2004, que confere maior liberdade às mulheres. Na contramão do formidável patamar de aprovação geral do monarca, a metade dos entrevistados acredita que ele foi longe demais na liberação feminina, enquanto só 16% defendem que ele avance mais na concessão de direitos às mulheres. Esses resultados foram publicados pelo jornal francês "Le Monde", que tinha parceria com as publicações marroquinas na contratação da pesquisa e também teve a circulação proibida no reino. O site da "TelQuel", por sua vez, anuncia apenas estar sob censura. Na capa original, Mohammed VI aparece em trajes ocidentais, com um título que provocou sua indignação: "O povo julga seu rei".

Essa foi a primeira pesquisa sobre um governante no Marrocos desde 1956, quando o país tornou-se independente da França e, na sequência, o avô de Mohammed VI proclamou-se rei. Cinco anos depois, o pai do atual monarca assumiu o trono e adotou poderes ditatoriais. Quando morreu, em 1999, as masmorras marroquinas somavam oito mil prisioneiros políticos. Mohammed VI libertou todos eles e imprimiu um caráter mais democrático à sociedade. Sua mulher, Kalla Salma, engenheira por formação, até aparece em público, algo que jamais ocorreu com sua mãe. Como o pai, até a semana passada ele aparentemente era irredutível só com os separatistas do Saara Ocidental, que têm o apoio da vizinha Argélia. O cenário mudou.