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Reconhecidos por historiadores como uma das mais ricas culturas da América pré-colombiana, acredita-se que os incas dominavam mais de 700 idiomas e reuniam diversas nações. Essa supremacia se dava pela diplomacia e, quando necessário, também pela sua decantada habilidade estratégica na arte de guerrear. Na semana passada, o pesquisador Alex Chepstow-Lusty, coordenador do Instituto Francês de Estudos Andinos, expôs uma tese que segue na contramão daquilo em que até então se acreditava. Segundo ele, os incas não eram guerreiros tão excepcionais.

O que tiveram foi, isso sim, a natureza como forte aliada ao longo de cinco séculos: alterações climáticas secaram lagos e outras fontes de água de seus adversários bélicos, deixando-os à míngua em suas terras áridas. Na verdade, o clima, especificamente o inverno, já derrotou poderosos exércitos como os de Napoleão Bonaparte e Adolfo Hitler quando, cada um à sua época, tentaram invadir a Rússia. Para os incas também o clima jogou sempre a favor, embora tenha de se reconhecer, na opinião de Chepstow-Lusty, que lhes cabe o mérito da criatividade ao se aproveitar do derretimento de geleiras para montar um dos mais bem-sucedidos sistemas de irrigação do período pré-colombiano. O pesquisador chegou a essas conclusões analisando detalhadamente amostras geológicas e sedimentos encontrados na região de Cuzco, no Peru, onde se localizava a capital do império inca.

Esse império teve, então, um poderoso general como aliado: a elevação da temperatura da região, bastante branda, mas catastrófica para quem não soube tirar proveito dela, uma vez que se fez constante por quase meio milênio. Contra tropas nazistas, falou-se da tática do "general inverno". Contra os inimigos dos incas, pode-se falar, em palavras muito em voga nos dias atuais, de "general aquecimento global". Eles inovaram ao estabelecer normas de convívio político e social, como a compra de territórios e a oferta e garantia de alimentação aos povos agregados, mas isso não seria possível sem o aumento da produtividade de suas colheitas e a morte da vegetação em outras regiões. "O fato está ligado ao aquecimento global", diz Chepstow-Lusty.

 

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O pesquisador fez a análise química de sedimentos do Lago Marcacocha e descobriu evidências de mudanças climáticas. Durante a maior parte do primeiro milênio depois da era cristã, esses sedimentos indicaram pouca presença de agricultura sustentada no Lago Titicaca, o que, provavelmente, correspondeu a um período relativamente frio na região. Já por volta do ano 880, uma seca teria ocasionado a redução do volume da água eliminando duas culturas rivais andinas – a dos wari e a dos tiwanaku. Depois disso, os incas conquistaram definitivamente o seu território quando se impuseram com o plantio na região central da cordilheira, acuando adversários como, por exemplo, os chimús. "A elevação da temperatura nos Andes, a partir do ano 1100, foi literalmente o divisor de águas na evolução da civilização dos incas", diz o cientista.

Aí se explica, então, por que o derretimento de geleiras coincide com o advento de técnicas de irrigação que lhes permitiram elevar a sua produtividade agrícola e galgar altitudes bem mais elevadas. Chepstow-Lusty e sua equipe verificaram, ainda a partir desse período, a existência de altos níveis de pólen de uma espécie de árvore andina chamada Alnus acuminata, cuja expansão só ocorreu com o reaproveitamento de solos degradados. "Os incas não apenas sobreviveram ao aquecimento global de seu tempo, mas também se valeram dele para prosperar", diz Chepstow- Lusty.

 

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