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Na pequena casa branca que abriga a sede da Comissão Pastoral da Terra em Xinguara (PA), os quatro funcionários têm medo de morrer. Lá, trabalha um dos homens que mais recebem ameaças no Brasil: o coordenador da CPT na região, o frei Henri des Roziers, 79 anos. Ele chegou ao sul do Pará há três décadas, naturalizou-se brasileiro e, desde então, vem defendendo os direitos dos trabalhadores rurais numa área conhecida pelos conflitos agrários sangrentos.

"O frei Henri tem um respeito profundo pelo ser humano, seja sem-terra, seja peão do trecho ou fazendeiro", diz a advogada Antônia Santos. Mas o respeito não é mútuo. A cabeça de Roziers vale R$ 100 mil na região, o dobro do que os fazendeiros pagaram, em 2005, para matar a missionária Dorothy Stang. "Não há melhor lugar para matar do que nas matas do Pará", lamenta o coordenador da CPT em Goiás, dom Tomás Balduíno, 86 anos.

A 900 quilômetros de Belém, Xinguara é cercada por fazendas que em grande parte nasceram da grilagem. Também há muitos assentamentos de sem-terra. Nos últimos meses, a região ficou mais tensa, com a chegada de imigrantes em busca de minérios. É lá que o frei, formado em letras na Sorbonne, com curso de direito em Cambridge, na Inglaterra, e doutorado na Universidade de Paris, luta pela impunidade dos mandantes de assassinatos. Alheio às ameaças, ele acaba de abrir nova campanha. Pede proteção policial para 70 lideranças sindicais e de movimentos rurais ameaçadas pelos fazendeiros. E ameaçou abrir mão de sua segurança. "Prefiro que o governo gaste o dinheiro que gasta na minha proteção com as dezenas de ameaçados do povo."

R$ 100 mil é a oferta de fazendeiros da região para quem matar o religioso

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No momento, frei Henri está internado no Hospital São Camilo do Ipiranga, em São Paulo. Está fazendo terapia diária para recuperar o braço esquerdo, paralisado por um AVC que sofreu na manhã do sábado 25 de julho. "Certamente vou voltar para minha luta em poucos dias", disse à ISTOÉ na terça-feira 4. Luta que deu a Henri o Prêmio Internacional de Direitos Humanos Ludovic-Trarieux 2005, também concedido a Nelson Mandela. Ele tem pressa em voltar ao trabalho porque está empenhado em derrubar a medida provisória de regularização fundiária da Amazônia. "Essa MP da Amazônia vai provocar mais concentração de terra, devastação e exploração dos trabalhadores rurais", critica. O deputado ruralista Ronaldo Caiado (DEM-GO) rebate: "Se ele acha que todas as terras são públicas que ele mude a Constituição."

Luta e desafios são parte da história de frei Henri. Na adolescência, viu os pais engajados na resistência contra os nazistas. No serviço militar, foi para a Argélia e apoiou os movimentos de independência. Quando voltou a Paris, advogou para agricultores terceirizados e, em 1968, apoiou a revolta estudantil. Depois de ouvir as histórias dos padres brasileiros torturados pela ditadura e exilados na França, ele decidiu ir para o sul do Pará. "A presença do frei Roziers é um gesto de solidariedade e generosidade extrema com o Brasil", diz o coordenador da CPT em São Félix do Araguaia (MT), bispo dom Pedro Casaldáglia, 81 anos.