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Também conhecido como a Câmara Alta, o Senado, que deveria ser um dos pilares do Estado Democrático de Direito, desceu ao patamar mais degradante de toda a sua história. Nas últimas semanas, líderes partidários, ex-governadores de Estado e até ex-presidentes se desnudaram de seus mandatos parlamentares para vestir o figurino dos cavaleiros do apocalipse.

O plenário, que deveria ser o palco dos grandes debates de interesse nacional, se transformou T em um deplorável cenário do embate de conflitos pessoais e partidários. Discursos acalorados e ameaças sem disfarces que caberiam melhor na boca de moleques de rua do que em homens bem trajados foram transmitidos para o País e o que o brasileiro assistiu foi a um vergonhoso espetáculo de troca de acusações mútuas, capaz de mostrar que todos se benefi- ciam do bem público.

Poucos escaparam da derrocada ética e o decoro parlamentar virou letra morta. Não houve socos e pontapés, mas o Senado foi a nocaute. Num raro momento de lucidez, em meio à grave crise moral, o senador Demóstenes Torres (DEM-GO) fez um desabafo que sintetiza o sentimento da nação: "Apodreceram os senhores senadores. A Casa está desmoralizada, com seus homens desmoralizados pelos fatos", afirmou.

Ao eleitor a quem até a abertura das urnas no próximo ano não resta mais a fazer senão acompanhar perplexo até onde pode chegar o Parlamento, fica a convicção de que por trás das agressões não está a busca pela retomada da moralidade ou da ética, mas a certeza de que ninguém será punido. O que aconteceu para o Senado chegar tão baixo? "A nação está estarrecida com esses fatos. Cada dia que você acha que chegou ao fundo do poço, vê que o fundo do poço é mais embaixo", avalia o cientista político Antônio Lavareda.

Na reabertura dos trabalhos legislativos, na segunda-feira 3, o plenário do Senado foi palco da primeira baixaria. De um lado, o grupo favorável à permanência de José Sarney (PMDB-AP) na presidência da Casa. De outro, a ala disposta a tudo para apeá-lo do cargo. No rastro de um discurso do senador Pedro Simon (PMDB-RS), pedindo a renúncia de Sarney, o grupo liderado por Renan Calheiros (PMDB-AL) reagiu com virulência.

Com os olhos esbugalhados, fora de órbita e exibindo seu descontrole colérico, o senador Fernando Collor (PTB-AL), reencarnou o estilo "bateu, levou", da época em que presidiu o Brasil, entre 1990 e 1992, antes de ter o mandato cassado. De dedo em riste, Collor mandou Simon engolir as palavras, ameaçando revelar episódios que o deixariam em apuros. "São palavras que não aceito! Quero que o senhor as engula e as digira como achar conveniente", esbravejou.

"Evite pronunciar meu nome, porque da próxima vez que tiver que pronunciar o seu, eu gostaria de relembrar alguns fatos e momentos extremamente incômodos para V. Excelência." Ao que Simon respondeu: "Fale agora!" "Falarei quando for oportuno", retrucou Collor, que permaneceu, até o fim do discurso de Simon, encarando-o de forma ameaçadora, sem desviar o olhar. No dia seguinte, Simon disse à ISTOÉ que não se sentiu ameaçado de morte, diante de antecedente histórico da família de Collor (leia reportagem à pág. 40), mas admitiu ter sentido medo.

"Foi assustador, saía fogo dos olhos do senador Fernando Collor ali logo embaixo de mim. E eu não falei nada demais. Quando vi, ele entrou completamente transtornado", lembrou Simon, que fez um questionamento formal ao senador do PTB para que ele esclarecesse o que quis dizer em plenário.

Na terça-feira 4, cinco partidos voltaram a pedir a renúncia de Sarney. O porta-voz da iniciativa foi o líder do PSDB, senador Arthur Virgílio (AM). "Senador José Sarney, case-se com a sua biografia. Deixe o cargo. Esse mandato não representa nada para V. Excelência", desafiou. À noite, numa reunião no gabinete da presidência, Renan Calheiros, Gim Argello (PTB-DF) e Fernando Collor entenderam que aquele era o momento mais propício para um novo discurso de Sarney.

Em casa, ao lado do advogado Eduardo Ferrão, Sarney optou por um pronunciamento técnico e passou em revista cada palavra do discurso feito na quarta-feira 5. Paralelamente, a pizza já assava no forno do Conselho de Ética, colegiado onde 70% dos integrantes são alvo de inquéritos autorizados pelo Supremo Tribunal Federal (STF), réus em ações penais ou envolvidos com nepotismo e atos secretos nos últimos anos.

Com a maioria governista e presidido pelo senador Paulo Duque (PMDB-RJ), o Conselho iniciara seus trabalhos disposto a arquivar os processos contra Sarney. A sessão foi interrompida para que todos acompanhassem o discurso do presidente do Senado no plenário. Com a ajuda de power point, Sarney tentou esclarecer as denúncias. Classificou-as como "menores", baseadas em "recortes de jornais", e descartou o afastamento do cargo.

Cometeu contradições, principalmente em relação à contratação de amigos e parentes (leia quadro à pág. 40). Seu pronunciamento, sem citar os adversários, serviu para que o clima de acordão prevalecesse. Terminado o discurso, o Conselho de Ética arquivou três denúncias e uma representação das dez ações que pediam abertura de processo para cassação do mandato de Sarney. Vieram novos arquivamentos depois.

 

Parecia que a crise no Senado caminhava para um desfecho e que ninguém seria punido por atos secretos que misturam público e privado e nepotismos de toda ordem. Mas na quinta-feira 6, novamente os interesses partidários e pessoais se impuseram. Numa retaliação às investidas do PSDB contra Sarney, Renan leu em plenário a representação do PMDB contra o líder tucano Arthur Virgílio por quebra de decoro. Há inclusive documento mostrando que despesas com a saúde da mãe de Virgílio foram pagas pelo Senado e recursos superiores a R$ 600 mil foram depositados na conta do senador.

Virgílio subiu à tribuna para relembrar as acusações feitas nos últimos anos contra o peemedebista. Foi o suficiente para o bate-boca de moleques voltar a ter espaço na Câmara Alta. O tucano Tasso Jereissati (CE) pediu para Sarney retirar das galerias uma pessoa que estaria ofendendo os líderes do PSDB. Renan reagiu.

"Essas crises acontecem por isso. É a minoria com complexo de maioria. Quer expulsar agora um cidadão que está aqui participando da sessão, que é uma sessão infelizmente histórica do Senado", disse, apontando o dedo para Tasso. Irritado, Tasso revidou: "Senador Renan, não aponte esse dedo sujo para cima de mim." "Dedo sujo infelizmente é o de V. Excelência. São os dedos dos jatinhos que o Senado pagou", disse Renan.

"Pelo menos era com o meu dinheiro, o jato é meu. Não é o jato que você anda dos seus empreiteiros. É meu, é meu, é meu!", devolveu o tucano. Neste momento, Renan, fora do microfone, chama Tasso de coronel de merda. "Eu coronel? Cangaceiro! Cangaceiro de terceira categoria!", rebateu Tasso. "Como brasileiro, fico muito triste ao me deparar com uma cena como essa. A coisa se acirrou a tal ponto que tudo se radicalizou e parece que isso não terá fim", afirma Maurício Corrêa, ex-senador, ex-ministro da Justiça e ex-presidente do Supremo Tribunal Federal. Horas depois do bate-boca, Sarney esforçou-se para dar uma justificativa em entrevista à ISTOÉ.

"Eles estavam jogando com o meu temperamento, mas a toda ação corresponde uma reação. E o senador Arthur Virgílio não para de nos insultar", disse Sarney, reconhecendo que o momento é lamentável. A crise do Senado é um trailler do que será a eleição de 2010. Ao escalar cavaleiros como Collor e Renan para lutar pela manutenção de Sarney no comando do Senado, o presidente Lula olha para a sucessão. Com a base aliada fortalecida, ganha a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff. A oposição trabalha com o mesmo horizonte.

Assumir o controle do Senado às vésperas da disputa pela Presidência da República é o pulo do gato. Além de brecar projetos de interesse do Executivo nos meses que antecedem à eleição, uma eventual saída de Sarney enfraqueceria os caciques hoje alinhados a Lula e poderia levar o PMDB para o colo de José Serra ou de Aécio Neves, ambos pré-candidatos do PSDB. Resta saber, porém, se o Senado conseguirá resgatar sua credibilidade após viver dias de briga de rua.

O nível hoje é tão rasteiro que até mesmo as interpretações políticas ficam comprometidas. "Tem que mudar um conjunto de atitudes, em relação ao que significa ser representante do povo num Parlamento moderno, de uma sociedade moderna, com moeda forte, em que o cidadão tem noção exata de quanto ele gasta na sua vida privada e pública", diz o antropólogo Roberto DaMatta. Nesse sentido, quem melhor poderá responder à crise serão os eleitores em 2010, quando 70% dos senadores deverão ir às urnas para renovar o mandato.

Caberá aos eleitores separar o joio do trigo. Se é que ainda há trigo nesse ambiente de terra arrasada. "A única certeza é a de que os atores não estão correspondendo a seus papéis", conclui DaMatta. Colaborou Hugo Marques (DF)

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