i134301.jpgO economista Pedro de Alcântara Orleans e Bragança, 63 anos, é um dos herdeiros da família real portuguesa. Bem-humorado, diz que sua bisavó, a princesa Isabel, participa das refeições de sua família todos os dias.

Pedro refere-se a um quadro de 50 cm por 75 cm do artista francês Jules le Chevrel, do século XIX, pendurado na parede da sala de jantar de sua casa, no bairro do Flamengo, no Rio de Janeiro. A tela, que mostra a filha de dom Pedro II em traje de gala, foi um presente de Lily Marinho, viúva do empresário Roberto Marinho.

Dona do quadro por 30 anos, Lily resolveu dar o retrato ao amigo em dezembro passado. Pedro, no entanto, está disposto a abrir mão do valor sentimental e simbólico da obra: ela está à venda por R$ 350 mil. "É uma barbaridade", diz a historiadora Maria Aparecida de Aquino, da Universidade de São Paulo (USP). "Ele quer transformar em dinheiro uma memória que pertence ao povo brasileiro."

Para a historiadora, a venda do quadro, um objeto raro e que nunca foi exposto no País, é um retrato de como a história da família real brasileira é mal preservada. Isso ocorre, segundo ela, pelo fato de haver episódios pouco críveis contados nos livros de maneira pouco orgulhosa.

"Isso influi na formação da memória do brasileiro", diz. "Os alunos se encantam pela história da Grécia, das pirâmides do Egito, mas a do Brasil não os fascina." Países como Estados Unidos e França, por exemplo, souberam criar uma memória nacional – e a preservam muito bem.

O governo francês passou uma década se preparando para as comemorações do bicentenário da Revolução Francesa, em 1989. Nos Estados Unidos, o 4 de julho, Dia da Independência, é cercado de muito orgulho. Trata-se, ainda, de dois países com tradição em museus, o que facilita a preservação do patrimônio. No Brasil, o quadro é outro.

"O Estado é perdulário, permite que telas sejam roubadas de museus", pontua Estevão Martins, professor de história da Universidade de Brasília (UnB). "Assim, quem possui um objeto tem receio de deixar para o Estado cuidar." Lily Marinho, que comprou o quadro em um leilão no Brasil, nem sequer pensou em doá-lo para um museu.

E garante não ter ficado aborrecida pelo fato de Pedro de Alcântara querer vender seu presente. "A pessoa ganha e faz uso como bem entender", diz. Não é o que pensam outros integrantes da família real. Irmão de Pedro, Eudes Orleans e Bragança ouvira que um parente estava vendendo um quadro. Achou que fosse algum primo de Petrópolis (RJ).

"Eles já leiloaram joias outras vezes", conta. Ao ser informado por ISTOÉ que o vendedor era seu irmão, reagiu: "Estou chocado. Essas coisas são patrimônio do Brasil." Pedro de Alcântara garantiu não passar por dificuldades financeiras e alegou motivos pessoais para se desfazer do retrato de sua bisavó: "Ganhei um presente e quis vendê-lo. Cada um faz o que quer."

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Monarquia na prateleira

Séc. XIX É quando foi pintado o quadro da princesa Isabel pelo artista francês Jules le Chevrel

R$ 350 mil É quanto dom Pedro de Alcântara Orleans e Bragança quer receber pela obra, dada a ele no fim do ano passado por Lily Marinho