i134363.jpg

OTIMISMO Juros baixos, capital estrangeiro e recuperação da economia são motivos da alta

 

A crise econômica está deixando o Brasil. Uma das melhores maneiras de constatar essa boa notícia está menos nas previsões otimistas de crescimento da economia brasileira para 2010 e mais naquele que é considerado o melhor indicador do que vai acontecer no futuro: o mercado de ações. De janeiro a julho, a bolsa de valores registrou uma das maiores altas da década e subiu 50%. Há quem acredite que ela pode encerrar o ano com ganho de 60%. Aquelas imagens de homens nervosos e gritando nunca mais aparecerão na tevê. Desde o dia 30 de junho, o chamado pregão viva voz foi extinto da BM&FBovespa. Mas a efervescência daqueles tempos continua ali, agora sob a calmaria de telas de computadores, e reflete silenciosamente o que se passa com a produção, o comércio e o emprego na vida real. O bom desempenho no primeiro semestre surpreendeu economistas, investidores e o resto do mundo, ainda mergulhado nas águas turvas da recessão. Isso significa dizer que quem tem dinheiro para investir está acreditando, cada vez mais, que as empresas brasileiras são uma ótima opção. Segundo a consultoria Economática, as 388 empresas com ações negociadas na bolsa valem mais de US$ 1 trilhão, valor que não era atingido desde agosto de 2008 e que supera o de todas as bolsas da América Latina. Um outro sinal da pujança é que a movimentação financeira pulou para a casa da centena de bilhões. Em julho, passaram por lá R$ 107 bilhões.

i134364.jpg

Um dos motivos deste entusiasmo é a redução contínua das taxas de juros. A Selic, a taxa básica oficial, este ano, já caiu cinco pontos percentuais e alcançou 8,75% ao ano. Neste cenário, a tendência é de que as empresas ampliem o investimento, a produção e, consequentemente, os lucros. A prova disso é que o Ibovespa atingiu mais de 55 mil pontos este mês. Ou seja, desde o pior momento da crise, o valor de mercado das empresas praticamente duplicou. E tem muita gente aproveitando.

/wp-content/uploads/istoeimagens/imagens/mi_5227386891032644.jpg

/wp-content/uploads/istoeimagens/imagens/mi_5227457167245541.jpg

 

Como sempre ocorre nestas ocasiões, o capital estrangeiro chega primeiro. Depois de a BM&FBovespa fechar 2008 com menos R$ 24,6 bilhões de capital vindo do Exterior, neste primeiro semestre os investimentos estrangeiros ficaram positivos. Só em julho entraram R$ 2,2 bilhões. “O movimento atual da bolsa é coerente com a perspectiva da economia brasileira”, diz Octávio de Barros, diretor de estudos econômicos do Bradesco – que espera um crescimento de 4,9% do PIB em 2010, a previsão mais otimista do mercado. A entrada do capital estrangeiro acaba turbinando ainda mais a bolsa. É então o momento de aplicar na bolsa? De acordo com a maioria dos especialistas ouvidos por ISTOÉ, a resposta é sim.

/wp-content/uploads/istoeimagens/imagens/mi_5227484843014553.jpg

“A época de renda dos juros elevados está acabando. É hora de olhar para a bolsa” Hugo Penteado, do Santander Asset Management

Além das expectativas positivas, a bolsa é, até agora, o melhor investimento do ano. De novo, o motivo é a redução dos juros que acaba diminuindo a rentabilidade dos fundos de renda fixa. “A época de viver de renda dos juros elevados está acabando, é hora de olhar para a bolsa”, afirma Hugo Penteado, economista-chefe do Santander Asset Management. Por isso, a opção para quem quer melhores rendimentos é aplicar em ações. O momento ideal para entrar na bolsa é sempre quando todo mundo costuma fugir, isto é, na baixa. Mas, quando a crise estourou e os bancos americanos quebraram, quem tinha coragem de arriscar? Poucos. Mas para quem está fora, ainda restam chances.

/wp-content/uploads/istoeimagens/imagens/mi_5227525063384963.jpg

Alta e oportunidades atraem de novo
A recente alta da bolsa de valores tem incentivado novos investidores. Pelo menos este é um dos motivos que fizeram o advogado Maurício Fabbri, 26 anos, começar a investir. “Na verdade, acho que o momento mais oportuno para investir em ações foi justamente no período de baixa causado pela crise, que foi quando comecei a pesquisar e me interessar pela bolsa. E a recente alta só confirma minha impressão de que o mercado de ações é cíclico”, afirma. Fabbri já tem aplicações em renda fixa, mas, com a expectativa de obter bons rendimentos na bolsa, quer investir 40% desse capital em ações. “Acho importante não perder a cabeça e tomar as decisões com segurança. Quero estar preparado para enfrentar e minimizar os efeitos num cenário menos favorável, diversificando a carteira de ações, por exemplo.”

Mesmo com a elevação dos preços das ações, continua havendo espaço para ganhar. Em 21 de novembro, por exemplo, o papel mais negociado da Petrobras havia despencado para R$ 15,95. Esta semana chegou a custar o dobro e, segundo analistas, há um potencial de valorização de 24% a 36% até o fim do ano. “A Petrobras ainda está em um preço bom”, avalia Alex Agostini economista-chefe da Austin Rating. É por isso que as ações da Petrobras são as mais indicadas pelas corretoras. Ela é a vedete das chamadas “blue chips” – como o mercado apelida as ações mais negociadas e indicadas a investidores mais cautelosos por serem vendidas facilmente em tempos de crise. Neste mesmo grupo, os analistas também indicam papéis da Vale. Alguns destacam que as eleições de 2010 e as obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) devem aquecer o setor de infraestrutura, gerando ganhos com ações dos segmentos imobiliário e de energia.

/wp-content/uploads/istoeimagens/imagens/mi_5227558116788540.jpg

É preciso, portanto, acompanhar os fatos relacionados à economia e às empresas para poder escolher bem. Como a bolsa está em plena subida, garantir um bom negócio depende de informação – o artigo mais valioso deste mercado. E bons negócios estão por aí. Na opinião de quem entende desse louco sobe e desce, é preciso escolher a ação com o cuidado de quem compra tomates na feira. O preço de algumas delas já subiu, mas continua barato em comparação ao valor que ainda podem alcançar e há ações com potencial de alta esperando para serem descobertas. Esse é o pulo do gato. “O importante é ser seletivo, o grande segredo é descobrir o bom e barato. Essa é a arte do investidor”, ensina Lírio Parisotto, do fundo Geração L. Par FIA, que encolheu de R$ 1,6 bilhão para R$ 800 milhões na crise, mas hoje supera o R$ 1,8 bilhão e rende 12% a mais do que o principal índice da bolsa, o Ibovespa.

/wp-content/uploads/istoeimagens/imagens/mi_5227589142161955.jpg

“O movimento atual da bolsa é coerente com a perspectiva da economia brasileira”
Octávio de Barros, diretor do Bradesco

 

/wp-content/uploads/istoeimagens/imagens/mi_5227610346086192.jpg

Antes de ir às compras, é indispensável uma olhada na lista de indicações das corretoras. A Ágora, líder do mercado, recomenda papéis dos setores de energia, telefonia e seguros. Outra oportunidade de pegar esta onda é ficar de olho nas novas empresas que vão operar na bolsa. São os chamados IPOs, em inglês, ou oferta pública inicial de ações. Isso ocorre no momento em que a empresa abre o capital. Este ano a melhor chance ocorreu em junho com a Visanet, a maior oferta pública inicial de ações da história. A empresa captou R$ 8,4 bilhões e quem comprou uma ação na estreia pode ter embolsado até 8% só nos primeiros cinco dias.

/wp-content/uploads/istoeimagens/imagens/mi_5227761794981351.jpg

ALERTA “É importante questionar o motivo da alta” diz a psicóloga Vera

No entanto, o mercado de ações continua tão imprevisível e agitado como nos tempos da gritaria dos operadores do pregão. E até mesmo os investidores mais experientes erram e perdem dinheiro. A melhor prova disso é que o presidente do Banco Central dos Estados Unidos, Ben Bernanke, perdeu um terço do seu patrimônio com a derrocada das bolsas em 2008. “A tendência é de recuperação, mas o risco vai sempre existir”, diz Miguel de Oliveira, da Associação Nacional dos Executivos de Finanças (Anefac).

/wp-content/uploads/istoeimagens/imagens/mi_5227805456285732.jpg

APOSTA “Nos próximos dez anos a bolsa será o melhor investimento” diz Parisotto

 

Ao mesmo tempo, para conseguir ganhos, é preciso correr riscos. O melhor jeito de minimizá-los é conhecer bem o seu perfil de investidor. Desta forma, é necessário menos coragem e mais conhecimento e persistência. “É importante o investidor questionar o motivo da alta da bolsa e se perguntar se ele não está apenas seguindo a manada”, alerta Vera Rita de Mello Ferreira, especialista em psicologia econômica. Três perguntas básicas devem ser feitas para traçar o seu perfil: Em que pretende gastar o dinheiro? Em quanto tempo? E quanto tem para investir? As respostas determinarão a disposição de cada investidor para assumir riscos e definirão quanto do seu dinheiro deve ir para a bolsa de valores.

Pode-se imaginar que o brasileiro, com a experiência de quem passou por tantas incertezas econômicas, aprendeu com as crises, principalmente a atual, a maior desde 1929. Esse aprendizado o faria um bom investidor. Há controvérsias. “O que a gente percebe é que a dinâmica se repete cada vez que a economia mundial passa por grandes turbulências”, afirma Vera. Segundo ela, o brasileiro continua alimentando o hábito nefasto de entrar na bolsa na alta e sair na baixa. O presidente da BM&FBovespa, Edemir Pinto, discorda. “O investidor brasileiro amadureceu. Não houve fuga”, diz. Na opinião dele, o brasileiro aprendeu que o investimento em bolsa é de longo prazo e deve entender que, passando a ser sócio de uma empresa a partir da compra de ações, precisa deixar-se levar pelos fundamentos da economia e as perspectivas e jamais pelo sobe e desce efêmero.i134374.jpg

Mas, afinal, o que é ser sócio de uma empresa? Essa é a principal afirmação dos especialistas para quem pretende entrar no mercado de ações – já que, em tese, é isso mesmo o que acontece. Só que o investidor é um sócio diferente. Não participa das decisões da empresa. Não tem direito a voto. Em compensação, pode deixar a sociedade a qualquer momento. A decisão depende de acompanhar o dia a dia da empresa e conseguir identificar as chances de lucro. Nos últimos sete anos, o número de pessoas físicas que decidiram “ser sócias de uma empresa” multiplicou por seis: passou de 85.249 para 521.555. Não foi só em número de participantes que aumentou. O volume investido, neste primeiro semestre, cresceu 36%, de R$ 62 bilhões para R$ 84,5 bilhões. É o resultado de uma campanha de popularização iniciada em 1997 e que, este ano, investirá R$ 20 milhões em projetos de educação financeira, inclusive com um programa na TV Cultura de São Paulo.

/wp-content/uploads/istoeimagens/imagens/mi_5227973302383865.jpg

Medo, prejuízo e disposição para voltar
Antes da chegada da crise mundial, Bruno Bauman, 26 anos, empresário e sócio da empresa de moda AcquaStudio, usava o tempo livre para investir na bolsa como home broker. Com prejuízo de 35% do capital investido nos primeiros meses da crise e receoso de perder ainda mais, Bruno optou por retirar os investimentos em ações e aplicar em renda fixa. “Achei que era o momento de ficar em aplicações seguras até que a turbulência passasse. Você tem que saber assumir o prejuízo e sair, porque, na maioria das vezes, a primeira perda é a menor”, acredita. Mas, para quem investiu na bolsa por cinco anos e já teve lucro de 40% do capital neste período, voltar para a “ativa” é um projeto que pode ser concretizado em breve. “Neste momento de recuperação, a bolsa apresenta boas oportunidades e empresas subvalorizadas estão com índices consideráveis. Vários indicadores técnicos e tendências mostram que já está na hora de voltar”, afirma.

A intenção da BM&FBovespa é transformar o mercado brasileiro na euforia que há muito tempo domina os Estados Unidos ou o Japão. Nestes países, o mercado de ações é usado como uma forma de garantir o rendimento da aposentadoria. Em tese, é uma decisão correta. O perigo é justamente o que ocorreu por lá nesta crise. Quando o indivíduo aplica na bolsa está apostando na economia do país e no bom desempenho da empresa. A bolsa serve para isso: oferecer a quem produz um capital mais barato que os estratosféricos juros dos empréstimos bancários, sobretudo no Brasil, e por isso o mercado de ações é indispensável para a economia de um país. Era de se esperar, portanto, que a bolsa refletisse exatamente o que ocorre no chão das fábricas. Mas a tendência não é essa. É típico da natureza deste mercado um certo descolamento, ou seja, como ele precisa antecipar o lucro futuro, tem que vislumbrar um céu muito mais azul. O problema é o tom desse azul.

fotos: divulgação; julia moraes/

“É hora de se concentrar em empresas voltadas para o mercado interno”
Marcos Saravalle, analista da Coinvalores

/wp-content/uploads/istoeimagens/imagens/mi_5228281118349062.jpg

“Na crise, o investidor brasileiro amadureceu. Não houve fuga”
Edemir Pinto, diretor-presidente da BM&FBovespa

/wp-content/uploads/istoeimagens/imagens/mi_5228318225184687.jpg

Quando as pessoas exageram na crença do ganho de amanhã, o preço das ações perde a ligação com a realidade e o risco é de o que seria lucro se derreta em prejuízo da noite para o dia. Essa ficção explica a explosão da bolha americana.

fotos: divulgação; julia moraes/

Sangue-frio para enfrentar o risco
Quem passa pela sala de investidores da Hera Investment, não imagina que ali tem um frequentador assíduo e audacioso que abandonou o emprego para viver de renda. Após ser gerente de projetos da IBM e ter trabalhado por dez anos na multinacional, Marcos Cordeiro Fernandes, 37 anos, hoje é home broker, passa oito horas de seu dia investindo em ações e se diz satisfeito por fazer disso o seu trabalho. “Não queria mais ser empregado e sempre foi meu sonho viver de investimentos. Então resolvi correr atrás porque sabia que o lucro seria vantajoso”, diz. Para quem pretende começar a investir na bolsa, Fernandes – que tem 80% do seu patrimônio em ações – aconselha ter persistência e se informar para não entrar com tanta empolgação. “Tem que ter muito pé no chão e ir devagar e sempre”, afirma. Conselho de quem, com cuidado, durante a crise, tomou uma decisão arriscada, mas correta: não desistiu e manteve seus papéis. “Tive prejuízo de 50%. Sofri muito, mas insisti porque vivo disso e acreditei que ia superar. Ainda não recuperei 100% do que perdi, mas acredito que até o fim do ano eu consiga”, diz.

/wp-content/uploads/istoeimagens/imagens/mi_5228406488061025.jpg

“Os papéis da Petrobras subiram, mas ainda estão em um preço bom”
Alex Agostini, economista-chefe da Austin Rating

É por isso que, apesar das boas perspectivas da maioria do mercado, há que se ouvir uma voz dissonante. “Não há cenário de total segurança”, diz o economista Paulo Rabello de Castro, da RC Consultores. A preocupação dele é que a retomada econômica foi promovida pelo aumento da participação dos gastos públicos e os governos serão chamados a pagar esta conta. Outro argumento é a expansão do crédito – benéfico para debelar a crise, mas preocupante a longo prazo. Mas como dizia o famoso economista John Maynard Keynes, “a longo prazo todos podemos estar mortos”. Talvez seja por isso que muita gente prefira correr o risco.

 /wp-content/uploads/istoeimagens/imagens/mi_5228431918427030.jpg