Em 1993, as torres gêmeas de Nova York ainda estavam de pé e o público americano chorava por outro assunto, assistindo pela televisão multidões de esfomeados disputando e morrendo por comida na Somália, onde o ditador Mohamed Farrah Aidid mandava fuzilar quem chegasse perto dos suprimentos enviados pela ONU. À época, vendo que o prazo de três semanas para a captura do tirano havia se estendido, o General William F. Garrison, comandante das forças americanas lá baseadas, decidiu sequestrar dois oficiais próximos a Aidid numa manobra cirúrgica de menos de uma hora. A operação deu errado desde o início. Dois helicópteros caíram na cidade de Mogadíscio e, subitamente, o ataque surpresa transformou-se em uma missão de resgate de soldados americanos cercados por uma população hostil, inferno que se arrastou por 15 horas. O compromisso assumido pelas tropas americanas de jamais deixar um companheiro para trás é o cerne de Falcão Negro em perigo (Black Hawk down, Estados Unidos, 2001), cartaz nacional a partir da sexta-feira 8, um super-espetáculo dirigido por Ridley Scott, que recebeu indicação para o Oscar de melhor diretor.

Ao contrário do livro do jornalista americano Mark Bowden, Black Hawk down: a story of modern war, no qual foi inspirado, o filme de Scott não discute os prós e os contras da atitude do Exército. Concentra-se no relacionamento entre os combatentes, americanos, é claro, valorizando com toda a crueldade a moderna máquina de guerra criada pelos Estados Unidos. Tornou-se praxe, por exemplo, que nos pelotões cada soldado delta, trintões veteranos de grupos de elite, adote um ranger, recrutas em seu primeiro alistamento, também chamados de baby boys. Assim, a história apresenta duplas formadas por personagens fictícios, cujos perfis são uma somatória dos participantes reais que interferiram na guerra civil da Somália, em 1993. É desta maneira que o primeiro-sargento delta, “Hoot” Gibson (Eric Bana), faz parceria com o sargento ranger Matt Eversman (Josh Hartnett, de Pearl Harbor) e o sargento delta Jeff Sanderson (William Fichtner) cuida do ranger Grimes (Ewan McGregor).

Como na guerra verdadeira, as parcerias no filme geram alta tensão sob ataque cerrado. Embora a população negra, no roteiro de Ken Nolan, quase não exista, sendo tratada apenas como mero alvo. Falcão Negro retrata uma epopéia que envolveu 160 homens, 19 helicópteros – alguns deles os chamados Black Hawks (Falcões Negros) do título – e 12 Humvees, aqueles enormes jipes achatados. Para reproduzir o sangrento episódio, foram gastos US$ 95 milhões numa produção que exigiu o deslocamento da ação para o Marrocos, à beira do Oceano Atlântico,
do lado oposto do cenário real, que dá as caras para o Índico. No conflito de verdade, contabilizou-se a morte de 19 soldados americanos e cerca de mil somalis, entre milicianos e civis. O General Garrison, que no filme
é interpretado por Sam Shepard, assumiu total responsabilidade pelo fiasco. Garrison só se retirou do Exército em 1996, dias após Aidid ter sido morto em combate.