Se existe um diretor no cinema internacional que não envelhece o estilo, ao contrário, cada vez mais o aprimora, sem nunca perder o frescor jovial da ironia e a inteligência da crítica, este diretor é o americano Robert Altman. Dono de uma verve voraz, que já traçou os retratos mais cruéis e absolutos da sociedade à qual pertence, Altman angariou antipatias genéricas dos que se sentiram atingidos, mas nunca deixou de ser reconhecido como um cineasta da palavra filmada com os maiores requintes de imagens. Em Assassinato
em Gosford Park
(Gosford Park, Estados Unidos, 2001) – estréia nacional na sexta-feira 8 –, que, entre outras categorias, concorre ao Oscar de melhor filme e melhor diretor, ele não deixou por menos. Logo nos créditos, apresentando um ótimo elenco de atores ingleses, como Alan Bates e Kristin Scott Thomas, a câmera vai abraçando todo o clima que
o filme mostrará em 137 minutos. É uma tarde tipicamente inglesa, chuvosa e fria, de 1932. Com seu jeito voyeur de desenhar situações, Altman passa por detalhes, abre a câmera, volta aos detalhes até fixar sua atenção sobre a sempre fantástica Maggie Smith, desfeita dos
trajes da professora Minerva de Harry Potter e a pedra filosofal e agora rica e britanicamente vestida e pronta para entrar no seu Rolls-Royce
em direção a uma outra mansão campestre, onde a desculpa para
o encontro de ricos é uma caça ao faisão. A partir daí um universo subdividido em classes, também divididas, começa a se descortinar
à maneira ferina do diretor.

Assim como a atmosfera inglesa que permeia a trama, este mundo de escadas acima e escadas abaixo é perfilado da maneira mais tênue e perversa. Não pense o leitor, no entanto, que Altman irá se concentrar no reluzir das jóias ultra-refinadas, dos vestidos e smokings bem talhados ou das conversas cheias de farpas. É no corre-corre da cozinha, no fundo da lavanderia e nos quartos estreitos que a história toma fôlego. São com eles, os ausentes de charme, os que passam a vida servindo, os que se entregam aos prazeres escusos em cantos escuros que Altman se deleita. Da boca das dezenas de empregados, que tudo ouvem e tudo sabem, saem os comentários mais febris sobre eles próprios e sobre aquela casta das escadas acima, que os tem tão próximos e os mantém tão distantes quanto a diferença de dinheiro guardada no banco. A hierarquia entre os empregados é igualmente cruel. O mordomo Jennings (Alan Bates), por exemplo, paira tão soberbo sobre eles quanto o patrão William McCordie (Sir Michael Gambom), mal-humorado e comilão, paira sobre seus amigos ecléticos, passeando de uma condessa até um produtor americano de cinema de fitas de Charlie Chan.

Aqui entra um dos toques sutis do cineasta. Charlie Chan desvenda crimes em clima de mistério. São enredos que remetem aos livros de Agatha Christie, cuja presença se faz marcante dentro da mansão pela maneira com que as situações vão se autoconduzindo. Em meio às ligações perigosas acontece um assassinato, o do título. Mas o que menos importa é quem matou e por quê. Interessam as relações entre classes como parte de um império enfrentando a decadência nos longínquos anos 30. Uma decadência que Robert Altman soube orquestrar como poucos.