O grito é de um filme de terror. O cenário, bucólico: um arejado apartamento em Botafogo, bairro da zona sul carioca no qual a valorização dos imóveis vai de vento em popa, empurrada por novos shoppings e cinemas. A médica Ângela Barini, 59 anos, em um raro momento de paz – livre dos pacientes, do marido e do filho –, liga a tevê e se deleita na poltrona. De repente, nota que está sendo observada. Está cara a cara com um gambá enorme (ou seja, muito maior do que uma barata). Em poucos saltos e muitos berros, ela traumatiza o animal, alcança o celular, sobe na pia do banheiro e liga para a irmã, que aciona os bombeiros, um vizinho e o porteiro. Cenas como esta, com mais ou com menos chiliques, são cada vez mais comuns nos bairros vizinhos às florestas que distinguem o Rio de Janeiro de outras metrópoles. O desequilíbrio causado pela especulação imobiliária e pela expansão das favelas tem provocado uma invasão de animais silvestres nas ruas, forçando uma convivência muitas vezes desagradável e perigosa.

O avanço dos bichos atrás de comida na cidade tem dado trabalho ao Corpo de Bombeiros. Os visitantes mais assíduos, além dos gambás, são os graciosos micos, que geram poucas ligações para os bombeiros. Mas de janeiro a novembro foram resgatados 60 jacarés e 784 cobras, encaminhados ao zôo de Niterói. “É triste ver como as pessoas odeiam os gambás. Cansamos de pegar fêmeas machucadas. Elas levam os filhotes na barriga, como cangurus, e temos de alimentá-los com mamadeira”, relata o coronel Marcos Silva, do Estado Maior Geral do Corpo de Bombeiros.

Mansão e favela – O arquiteto Vito Tenreiro, 43 anos, vizinho que “salvou” a médica de Botafogo, também se solidariza com os invasores. Em duas semanas ele resgatou cinco gambás, um deles prestes a morrer afogado na piscina. Ele explica que o gambá brasileiro não exala um odor como o americano dos desenhos animados nem transmite as doenças do rato, apesar da semelhança física. “Já briguei com pessoas que queriam matar gambá”, conta Tenreiro. Ele devolve todos para a floresta, na Ladeira do Mundo Novo, onde mansões reduziram a mata próxima à favela do morro Dona Marta e do Palácio da Cidade, sede social da prefeitura.

Outro cenário nobre da invasão dos bichos é o Parque Guinle, onde fica o Palácio Laranjeiras, residência dos governadores. Perto dali, a expansão da favela do Pereirão aumentou o fluxo de micos, cobras, cotias e gambás para ruas, como
a Alfredo Modrach. Alguns moradores atraem os micos com bananas, mas os gambás não precisam de convite. Nem com a presença de seu cão caçador o médico Marco Antonio Oliveira, 62 anos, consegue mantê-los a distância. “Não
mato gambá porque é um marsupial (parente do canguru), mas não morro de amores por eles não. O gambá consegue ser mais feio do que o rato e é abusado. Tem hábitos noturnos e faz um barulho chato quando namora. Já fizeram até filhos dentro da minha casa!”, protesta o médico. A mulher do porteiro do condomínio, picada por uma jararaca, foi hospitalizada.

George Orwell – “Eles não estão invadindo nossas casas. Nós é que ocupamos o território deles”, corrige a veterinária Dristiane Moll, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. Ela descreve o círculo vicioso acionado pela redução da floresta. Os bichos menos arredios à raça humana, como micos e gambás, conseguem alimento na cidade, sem muito esforço, e se fortalecem na luta da cadeia alimentar, atingindo uma superpopulação que deixa em desvantagem concorrentes, predadores e vítimas, como os pássaros. Em compensação, “ficam mais frágeis, pois lutam menos e perdem longevidade”. Além das mansões e casebres, animais domésticos, como cães e gatos, também invadem as florestas. Na mão inversa, gaviões e falcões aterrissam nas praças para comer pombos. O cenário lembra A revolução dos bichos, livro de George Orwell que, em 1945, fez uma sátira da revolução russa. A sorte dos cariocas é que os animais não sabem ler nem seguem o primeiro dos sete mandamentos dos bichos, que, na história, ocupam uma fazenda: “Qualquer coisa que ande sobre duas pernas é inimigo.”