Transbrasil terminou de escrever mais um capítulo nebuloso da aviação comercial brasileira. Com a frota reduzida a nove aviões (sendo apenas cinco de grande porte) e com os salários dos 2,1 mil funcionários atrasados desde setembro, a empresa capitulou diante do corte do fornecimento de combustível. A Shell, que já vinha exigindo pagamentos à vista há alguns meses, simplesmente deixou os tanques dos aviões vazios por conta de um débito de R$ 900 mil. Na terça-feira 4, com as contas bloqueadas por uma decisão judicial, a única saída foi manter os aviões em terra.

A medida implantou o caos nos aeroportos. Um número não revelado de pessoas (fala-se em até 100 mil) que já havia comprado bilhetes da empresa teve de encarar os balcões fechados. Alguns conseguiram validar o tíquete em outras companhias, mediante o pagamento de R$ 30. O acordo valeu até a quinta-feira 6, mas há reservas para viagens até fevereiro. Segundo Marcos Diegues, coordenador do atendimento do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), o cliente que comprou uma passagem aérea pela Transbrasil e não conseguir embarcar pode entrar na Justiça pedindo indenização.

Apesar da situação financeira tétrica em que se encontra, a Transbrasil ainda tem esperanças de retornar aos ares. A empresa recorreu ao governo, cobrando um crédito de R$ 335 milhões, proveniente de uma ação judicial vencida pela companhia por cobrança irregular de impostos no início da década de 90. O governo sinalizou claramente que não irá ajudar na recuperação financeira da Transbrasil. Mas, se o dinheiro sair, um enredo de três anos atrás poderá se repetir. Na época, a empresa teve uma injeção de R$ 725 milhões, também recebidos de um acerto de contas com o governo. O dinheiro, como se vê hoje, escorreu pelo ralo.

A empresa nasceu em 1955, dentro da Sadia – nome que levou estampado em suas fuselagens até 1972, quando adotou a denominação atual. Idealizada por Attilio Fontana, foi fundada para facilitar a distribuição dos produtos do frigorífico a partir de Santa Catarina – a Sadia é hoje um gigante do setor de alimentação, sem nenhuma relação societária com a companhia aérea. O negócio ganhou vida própria com a dedicação de um dos filhos de Attilio, Omar Fontana, morto há um ano.

Na década de 90, cerca de 20% do mercado de aviação civil estava nas mãos da empresa, que chegou a faturar mais de R$ 3 bilhões por ano e ter mais de cinco mil funcionários. Nos últimos anos, já em dificuldades, a companhia vinha sendo administrada por Antonio Celso Cipriani, genro de Omar, ex-investigador do extinto Dops e dono de uma fortuna que pode bater nos R$ 300 milhões. Ele começou na Transbrasil como segurança, vindo de um casamento sem filhos com a filha de um delegado conhecido como Tonhão. Foi na empresa que conheceu Marta, a filha do dono, e a conquistou, ganhando o posto de genro de Omar Fontana.

Cipriani, homem de bom relacionamento pessoal, ficou rico, muito rico, mas revelou-se um péssimo administrador na empresa do sogro. Sua gestão é considerada desastrosa por todos os que acompanham o dia-a-dia da empresa. Na semana passada, circulou entre jornalistas um dossiê apócrifo que descreve o executivo como dono de um estilo de vida nababesco, mesmo durante a trajetória da empresa rumo ao buraco. A dívida, reconhecida por Cipriani, é de R$ 910 milhões, apesar de as contas da Transbrasil estarem numa caixa-preta. Ninguém sabe quem são seus maiores credores nem se a dívida de fato é a que foi divulgada. E, mesmo que a companhia venda todos os seus ativos, ainda restarão dívidas.

Um acordo frustrado com a TAM e uma tentativa de associação com a recém-falida Swissair tentaram salvar a companhia, sem sucesso. Mas, ao contrário da empresa suíça, que sucumbiu após 11 de setembro, Osama Bin Laden não tem nada a ver com a história da quebra da Transbrasil. O primeiro sinal de que a crise se tornava insustentável veio em julho, com o pedido de falência requerido pela GE Capital, um dos principais credores. Pedro Azambuja, presidente da Federação Nacional dos Aeronautas, confirma que a situação é negra há tempos. Como representante dos trabalhadores, ele diz que não quer que o governo coloque dinheiro na companhia, mas reivindica uma intervenção para apurar o que está acontecendo lá dentro. “A Transbrasil não é uma padaria”, diz Azambuja.

Mesmo que a companhia volte a levantar vôo, a recuperação financeira é tida como uma missão impossível. Dos nove aviões que tem à disposição, apenas um Boeing 737-300 pertence à Transbrasil. Ele poderia ser vendido para saldar dívidas. Sem voar, a empresa não faz caixa e vê sua dívida aumentar diariamente, numa ciranda que pode levá-la a devolver as aeronaves restantes, que estão sob leasing. Com a imagem definitivamente abalada, dificilmente conseguiria encher seus vôos. O desastre parece inevitável.