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A rotina de milhões de famílias brasileiras será mudada neste mês de agosto. Nada de arrumar cadernos, preparar lanches, organizar uniformes e reacomodar horários de dormir e acordar. Pelo menos 15 milhões de estudantes de escolas públicas de cinco Estados e do Distrito Federal terão adiado o reinício das aulas do segundo semestre em até duas semanas. A medida é uma aposta das autoridades para conter a disseminação do vírus H1N1, causador da gripe A, entre crianças e adolescentes.

A recomendação se estende à rede particular. Em São Paulo, a maioria das dez mil escolas aderiu, de acordo com o Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino no Estado de São Paulo. No Rio de Janeiro, metade das 2,2 mil instituições de ensino privadas adiou em uma semana a volta. A medida afeta também os universitários. A justificativa para a recomendação é que o tempo frio e chuvoso que tem feito em algumas regiões favorece a manutenção de ambientes fechados, como salas de aula repletas de crianças, um prato cheio para a propagação do vírus. Que o cotidiano de milhares de brasileiros foi alterado com a medida, não há dúvida. Que ela também contribui para aumentar ainda mais o pânico na população, também não. A questão que se coloca é: ela é eficiente para conter a pandemia de gripe que assusta o País?

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A maioria dos especialistas diz que sim. "O impacto do adiamento varia, mas pode diminuir a transmissibilidade entre 15% e 40%", defende David Uip, diretor do Instituto de Infectologia Emílio Ribas, em São Paulo. "Foi estabelecido um prazo médio. Os trabalhos científicos mostram que essa medida funciona", afirma. Nas crianças, explicam os médicos, o vírus tem um período de incubação maior – de dez a 15 dias, contra cinco a sete dias nos adultos. Com isso, elas são capazes de transmitir a doença por mais tempo. Vale lembrar que, durante esse prazo, podem contagiar outras sem sequer manifestar sintomas. "O que me espanta é apenas fazerem a recomendação, sem imporem isso", diz o infectologista Artur Timerman. "Não tem o menor cabimento, do ponto de vista médico, algumas escolas particulares seguirem e outras não."

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Longe das salas de aula, as crianças estariam, em tese, mais protegidas. Mas como ficam os outros ambientes fechados, como shoppings, cinemas e teatros? Elas precisam se manter distantes também, afirmam os especialistas. Apesar de todos os malabarismos necessários para entreter a garotada, a maioria dos pais prefere manter as crias sob suas asas, longe dos perigos invisíveis do temível H1N1. A editora Gracita Kerr, 47 anos, com três filhos matriculados em escolas diferentes de São Paulo, é uma que apoia a decisão. Flora, 9 anos, Victor, 15 e Pedro, 18, estão no aconchego do lar dos Kerr. Flora estuda no Santa Cruz e Victor, na Escola da Vila, e retornam à rotina escolar no dia 10.

O mais velho, estudante de Comunicação na Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), só volta no dia 17. "Não tinha outra saída", afirma Gracita. "As escolas fizeram bem em adiar", diz a editora, confiante que a grade curricular será cumprida. "Não me preocupo com conteúdo, porque sei que eles vão dar um jeito de repor." As secretarias estaduais e municipais estudam como será feita a reposição desses dias na rede pública. As escolas particulares terão autonomia para definir o seu próprio calendário.

Os Estados brasileiros que adotaram a política do isolamento social não estão sozinhos. Apesar de não existir um procedimento mundial padrão para prevenção e tratamento da gripe suína, muitos países optaram por suspender as aulas ou prolongar as férias para tentar diminuir o contágio. Nos Estados Unidos, mais de quatro mil escolas de 11 Estados fecharam há três meses, quando a doença começou a se espalhar.

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Na Inglaterra, somente alguns colégios fecharam, e na França, nenhum. "Não houve uma estratégia comum nessa questão das aulas", comenta a infectologista Marisa Santos, da Secretaria de Estado de Saúde e Defesa Civil do Rio de Janeiro. Na América Latina, região mais atingida pela gripe segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), a Argentina foi o país mais afetado e também adotou a medida do isolamento – no início de julho, teatros e cinemas foram fechados por dez dias. No México, as atividades em ginásios, cinemas, teatros e estádios foram retomadas em maio.

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Alguns estudantes foram especialmente prejudicados pela suspensão do reinício das aulas. Caso dos alunos que irão prestar o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), nos dias 3 e 4 de outubro. "Temos pouco tempo de preparação para o Enem e ainda vamos ficar sem aulas", reclama Paula Zanatelli, 16 anos, aluna da terceira série do Ensino Médio da Escola Edem, do Rio. Inscrita no Enem, ela vai fazer vestibular para psicologia e é contra o adiamento. O que a adolescente chama de "estardalhaço" é uma preocupação para sua mãe, a psicanalista Maria Luiza Zanatelli. "Mesmo com algum transtorno, o adiamento se justifica. A matéria do vestibular foi dada o ano inteiro e uma semana não fará tanta diferença", afirma. "No caso de haver negligência com a epidemia, é muito mais difícil: temos risco de morte, diz Laura Barreira, diretora do Colégio Edem.

Para o pediatra Pedro Solberg, do Rio, os pais devem ter em mente que a gripe tem se mostrado menos grave do que se esperava. "Ela vai ficar por aí o resto do inverno, não há como adiar as aulas tanto tempo." Solberg afirma que está havendo um certo alarmismo. "A letalidade está abaixo de meio por cento", diz. Vale lembrar, também, que o H1N1 não é o único vilão da temporada. "Os pronto-socorros estão cheios de crianças, mas não é só por causa da gripe suína", comenta o virologista Celso Granato, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Ele explica que de julho até o começo de setembro é a época de maior circulação de vírus respiratórios, como o sinsicial, muito parecido com o da gripe suína. "Há também a gripe influenza sazonal", diz.

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O infectologista Esper Kallás, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), também minimiza o impacto das medidas. "A orientação de suspensão de aulas por uma ou duas semanas não vai mudar significativamente o número de casos esperados para esta estação", afirma. "Para bloquear a transmissão, teríamos que fazer o mesmo que o México: fechar cinemas, estádios e tudo mais", afirma o médico, salientando que a própria OMS não recomenda sistematicamente a interrupção das aulas.

O fato é que, a cada medida tomada para conter a expansão da doença, aumenta na mesma proporção o pânico na população, assustada com o misterioso vírus que já matou dez crianças e adolescentes brasileiros e 57 adultos até a sexta-feira 31 de julho. "Como nunca foram adiadas as aulas por causa da gripe normal, e o governo não explica as motivações claramente, as pessoas ficam confusas", fala o psicólogo Ari Rehfeld, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). O segredo para manter a calma é manter-se bem informado sobre as formas de prevenção e contágio. Em local arejado, de preferência.


Colaborou: Mônica Tarantino


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