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Eles passam por anos e anos de preparação física e psíquica. São examinados minuciosamente e treinados à exaustão, submetem-se a testes em centrífugas e sob a água e são avaliados em condições extremas de pressão e temperatura. Finalmente embarcam em suas espaçonaves em imponentes trajes de aproximadamente US$ 20 milhões, posam para fotos que correm o mundo e são reverenciados como verdadeiros heróis. Mas eles, os astronautas, são humanos e não robôs. E a maioria deles fica doente assim que seus corpos “entram” no espaço. O caso mais recente é o do alemão Hans Schlegel, que sentiu no corpo e na mente os efeitos de viver um tempo fora da Terra, como um dos sete tripulantes da nave Atlantis, que passou 13 dias no espaço para instalar o laboratório europeu Columbus na Estação Espacial Internacional. Essa primeira missão de Schlegel estava cronometricamente organizada, mas ele sentiu um mal-estar súbito e teve de ser substituído às pressas. Ninguém, a não ser ele próprio e a equipe médica que o acudiu, sabe ao certo o que ocorreu – até porque a sua enfermidade foi mantida em sigilo.

Sem entrar em detalhes, a Nasa declarou somente que a vida do astronauta não corria perigo e que se tratava de um “problema de saúde privado”. O fato é que, possivelmente, Schlegel sofreu de um mal que acomete não menos que 60% dos astronautas: a síndrome de adaptação ao espaço, ou seja, dificuldade de adequação do corpo à baixa gravidade, que provoca enjôos, tontura e fraqueza física. “Há alterações muito rápidas na pressão, na freqüência cardíaca e na distribuição de líquidos pelo corpo. É mais ou menos o que acontece quando se faz uma viagem numa estrada cheia de curvas ou tentamos nos divertir numa montanha- russa”, disse à ISTOÉ o médico Luís Fernando Correia. Assim como na Terra, também no cosmo as reações dependem de cada organismo. No caso do cosmonauta brasileiro Marcos César Pontes, por exemplo, não houve graves intercorrências que justificassem a antecipação de seu retorno, como ocorreu com o alemão Schlegel na Estação Espacial Internacional, segundo disse à ISTOÉ o seu médico, coronel Luís Cláudio Lutiis: “Até os russos ficaram impressionados com a preparação de Pontes.”

Isso não significa, no entanto, que o astronauta brasileiro tenha passado incólume a males típicos do espaço. Nos dez dias que durou a sua missão, Pontes reclamou de dores nas costas, muita vontade de urinar e perda de memória. Lutiis explica: na ausência de gravidade, os discos da coluna vertebral se expandem, fazendo os astronautas ganharem até três centímetros de altura com a expansão. A vontade constante de urinar ocorre porque há uma redistribuição de líquidos pelo corpo – devido a isso, ele perdeu quatro quilos no espaço. E a falta de memória? “Não há explicação médica para essa dispersão”, diz o médico. Segundo ele, esse é um problema freqüente enfrentado por quem vai ao espaço, tanto assim que a tripulação tem de fazer diariamente um checklist das funções a serem cumpridas. Lutiis foi o único brasileiro que acompanhou diretamente da Rússia a jornada de Pontes, com quem conversava todos os dias. Ele conta que, combinada a dispersão com a empolgação de estar no espaço, os astronautas ficam “como crianças”. “Os médicos têm de lembrá-los de dormir, de comer e de se cuidar”, diz Lutiis.

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CRISE Durante 13 dias, o alemão Hans Schlegel passou mal na Estação Espacial Internacional, com suspeita de ansiedade e depressão

Quando o tempo de permanência no espaço é longo demais, os astronautas freqüentemente sofrem de ansiedade ou depressão. Foi o que acometeu o americano John Blaha durante os quatro meses em que morou na estação russa Mir. Para evitar casos dessa gravidade, o comportamento da tripulação é analisado diariamente. Se houver alguma mudança (um astronauta ficar mais tempo calado do que o normal ou mudar o tom de voz, por exemplo), uma luz vermelha é acesa e a torre de comando muda imediatamente o programa de atividades daquele dia para melhorar a vida a bordo. Segundo a Agência Espacial Brasileira, depois das missões os astronautas têm aumentada a probabilidade de desenvolver câncer (por causa da exposição à radiação no espaço), possuem quadro de baixa resistência imunológica e correm o risco de sofrer transtornos comportamentais. O caso mais famoso é o de Lisa Nowak, que foi ao espaço com o ônibus espacial Discovery, em 2006. No ano passado, depois de viver uma aventura amorosa com um colega astronauta, ela tentou assassinar a namorada fixa dele. Foi presa após dirigir da Flórida ao Texas, com uma fralda sob a calça, faca e gás de pimenta na bolsa. Embora a ida ao espaço não seja, por si só, um fator para desencadear depressão ou distúrbios de comportamento, certamente ficar longe de nosso habitat natural muda os paradigmas de qualquer ser humano. O astronauta americano Richard Gordon, por exemplo, ficou célebre por pilotar a Apolo 12 e também por proferir uma frase definitiva: “De toda aquela excitação, guardei dentro de mim uma imagem – o nosso planeta Terra, tão bonito e frágil. Fora dele, é como se estivéssemos mortos.”