Fotos: João Wainer

Esfinge: Famoso pela discrição, Chico deixou-se filmar na Biblioteca Nacional

Passos ligeiros pelos calçadões cariocas, a figura prosaica de tênis, calça de algodão e camisa esporte à antiga faz tudo para permanecer anônima, mas é mesmo Chico Buarque, a unanimidade que não é burra, só para contrariar o aforismo de Nelson Rodrigues. Nascido no Rio de Janeiro e criado em São Paulo, o cantor, compositor, escritor e dramaturgo afirma entre “esses” e “erres” carregados que seu sotaque paulistano só aparece nos pés, daí a pressa. “Preciso me locomover para ter idéias, caso contrário o livro não anda, a música não anda, então quem anda sou eu, a serviço, a trabalho”, confidencia com aquele misto de seriedade e chacota que lhe permitem os olhos enormes e claros, “cor de ardósia”, segundo alguns. Imagens e declarações como essas são o trunfo de Meu caro amigo (no canal 605 da DirecTV), a ser exibido em horários alternados entre os dias 26 e 9 de fevereiro, primeiro episódio da série sobre Chico Buarque que Roberto de Oliveira dirigiu com recursos da Agência Nacional de Cinema (Ancine).

Conduzido pelo próprio Chico, o programa inaugural, filmado no Rio, fala das parcerias do músico. Será seguido por A flor da pele, filmado em Paris, que vai ao ar a partir de 23 de fevereiro e gira em torno das mulheres presentes nas suas composições. Vai passar, o último da série, programado para o dia 23 de março, tem locações em Roma, onde morou em exílio voluntário, e focaliza o lado político de seu trabalho. Os três segmentos deverão sair em DVD até o final do ano. Mas Oliveira garante que tem material para pelo menos outros dez programas, garimpados nos arquivos da Rede Bandeirantes, em sua maioria trazendo projetos dirigidos por ele. Oliveira foi o responsável, por exemplo, pelo encontro histórico entre Elis Regina e Tom Jobim nos Estados Unidos, cujo DVD está programado para sair até março pela Trama. Amigo antigo de Chico, ele teve o privilégio de filmar o artista em fase de descontração, já que o retratado havia se transformado em uma verdadeira esfinge ao emendar o lançamento de um livro novo, Budapeste, com seu 60º aniversário, em 19 de junho do ano passado.
Fotos: João Wainer

Chico lê o jornal
no Café de Flore

A avalanche de homenagens o deixaram ainda mais retraído. Além de discos, compilações e livros sobre sua vida e obra, o leque comemorativo inclui a exposição Chico Buarque – o tempo e o artista, em cartaz no Sesc Pinheiros, em São Paulo, com curadoria do sobrinho Zeca Buarque de Holanda, e até mesmo uma agenda para 2005 com textos do jornalista Oswaldo Mendes. Acostumado a se distanciar da música sempre que se dedica à literatura, Chico estava até mesmo duvidando se a chama da inspiração voltaria a arder – está há sete anos sem gravar um disco com composições inéditas. Bobagem. Aos poucos foi saindo da casca, ensaiando gravar com Zeca Pagodinho, participando do disco de Fernanda Porto e do tributo à violonista Rosinha de Valença, produzido por Maria Bethânia. Pois o especial Meu caro amigo abre com Renata Maria, música recém-saída do forno, marcando sua primeira parceria com Ivan Lins. Chico escreveu a música para a cantora Leila Pinheiro, e sua interpretação foi filmada na primeira quinzena de janeiro, sendo incluída na última hora no programa. Roberto de Oliveira espera que ele repita a dose nos episódios seguintes.
Fotos: João Wainer

O compositor caminha
pelas ruas romanas

Para Chico, parcerias são presentes que devem ser retribuídos. Compara-as ao antigo hábito de nunca devolver vazio um prato recebido com guloseimas. Quando recebe uma melodia, sofre para criar uma letra para a música – chegou mesmo a dar bolo em ninguém menos que o argentino Astor Piazzolla. É diferente de quando compõe, pois música e letra saem junto, influenciando-se mutuamente. Secundado por imagens preciosas, Chico vai se explicando. Tom Jobim o ajudou e incentivou no começo, tornando-se exigente com o tempo, “deliciosamente implicante”, brinca. 
    Marcio Rm

Caro amigo: Para Chico,
canções feitas com Edu Lobo ganharam vida própria

A grande escola, conta Chico, foi trabalhar ao lado de Francis Hime, seu parceiro em Meu caro amigo. Sobre a dupla com Edu Lobo, com quem realizou poucos projetos, Chico afirma que ficou marcada porque várias das canções, como Acalanto e Beatriz, ganharam vida própria. Ao lado de Toquinho, o artista relembra passagens hilariantes de Vinicius de Moraes, e diante de Dorival Caymmi – que nunca foi seu parceiro, mas ídolo – tenta se soltar, cantando. O programa traz ainda Djavan, Gal Costa, Miúcha e um emocionante dueto com Elis Regina, cantanto Pois é na inauguração do Teatro Bandeirantes, em São Paulo. Segundo Roberto de Oliveira, Chico nasceu na televisão, nos festivais, tornando-se um dos primeiros a ter a carreira registrada em vídeo. Como durante anos o compositor recusou-se a aparecer na Rede Globo, a recuperação dessas imagens preenchem uma lacuna na sua história. E na de seus fãs.

João Wainer

Exposição Painel retratando
o artista na antológica Passeata
dos Cem Mil, em 1968