Em On the road, de Jack Kerouac, os personagens Sal Paradise e Dean Moriarty se lançam na estrada e na vida sem planos futuros. A octogenária Emilia, protagonista do filme Família rodante (Familia rodante, Argentina, 2004), em cartaz nacional na sexta-feira 2, faz o mesmo. Só que, ao contrário dos jovens aventureiros do clássico beat, a simpática matriarca vivida por Graciana Chironi não saiu em carros alugados, livre de amarras. Sabe também que não tem mais tantos anos pela frente. Leva consigo filhas, netos e bisnetos dentro do velho Chevrolet Viking 56 do genro mal-humorado. E tem um destino: são 1.200 quilômetros de Buenos Aires até a pequena Missões, cidadezinha que faz fronteira com o Brasil e onde acontecerá o casamento de sua sobrinha.

Dirigido por Pablo Trapero, diretor dos aclamados Mundo grúa e Do outro lado da
lei
, o filme começa com um caloroso almoço em família, no qual aparentemente
se vê um quadro perfeito, quase uma propaganda de margarina. Mas os conflitos familiares, daqueles de espantar Nelson Rodrigues, começam a aparecer durante
o trajeto até Missões. Emilia assiste às picuinhas entre as filhas Marta (Liliana Capurro) e Claudia (Ruth Dobel), cujo marido tem uma paixão mal-resolvida por
sua irmã. Vê também a neta Paola, uma irresponsável mãe solteira, viver uma relação conturbada com um rapaz suspeito de envolvimento com drogas. E apesar de ter orgulho dos herdeiros, começa a dar pequenos sinais de cansaço e de que sua missão com o clã já foi cumprida. Ainda que todos demonstrem precisar de
sua ajuda como guia de vida. Sob o sol escaldante ao longo do percurso, o filme mostra a paisagem rural na Argentina, que lembra em muito as cidadezinhas do sertão brasileiro. Família rodante prova que parente é serpente em qualquer
lugar do mundo.