Numa época em que os folhetins tinham o mesmo papel das atuais telenovelas, o dramaturgo Nelson Rodrigues se recusava a assinar os romances que publicava em capítulos diários. Temia comprometer sua “seriedade” como autor teatral, mas queria embolsar o dinheiro que as histórias mirabolantes rendiam. Criou então o pseudônimo Suzana Flag, que virou sucesso absoluto nos anos 40. Como parte das obras completas de Nelson Rodrigues, Escravas do amor (Companhia das Letras, 544 págs., R$ 39), o segundo folhetim da “célebre escritora”, acaba de ser relançado depois que a primeira edição, de 1944, virou artigo de colecionadores.

Livre da necessidade de maiores elaborações por causa do próprio estilo ligeiro do folhetim, Nelson Rodrigues se supera em Escravas do amor. Num ritmo alucinante, com uma surpresa atrás da outra, ele estende pelas primeiras 60 páginas do livro o relato da primeira hora da ação. Minutos antes de pedir a mão da bela Malu, o noivo morre com um tiro na cabeça, inaugurando, assim, uma sucessão de tragédias numa família de classe média alta. A este crime, segue-se, sem a menor parcimônia, uma série de recursos típicos de folhetins, como amores impossíveis, troca de bebês, manipulação à base de hipnose e personagem milionário disfarçado de pobre. Escrita no mesmo período em que a peça Vestido de noiva, dirigida por Zbigniew Ziembinski, marcava o teatro brasileiro, Escravas do amor carece de verossimilhança. O texto também registra repetição de estruturas e de expressões, reflexo da rapidez com a qual cada capítulo era escrito. Mesmo assim, Suzana Flag cativava leitoras do Oiapoque ao Chuí, como se propagava à época.