Velho conhecido dos brasileiros, Buddy Guy, 65 anos, é a encarnação viva do blues de Chicago, o viés eletrificado do blues de raízes do sul dos Estados Unidos que, no decorrer do século XX, foi subindo o rio Mississippi cantando amores perdidos, dificuldades no trabalho e questões raciais e, ao chegar na grande cidade, substituiu o lamento pelo grito e pela raiva. O caminho percorrido historicamente é o mesmo de Buddy Guy. Nascido na zona rural de Louisiana, desembarcou em 1957 na Cidade dos Ventos, como Chicago é conhecida. Depois de ter sido um dos principais representantes da linha urbana do blues, o músico achou que era chegada a hora de voltar à tradição. Daí a importância de Sweet tea (Zomba Records), seu trabalho mais recente, o quinto desde que ele se viu redescoberto ao abocanhar dois Grammy. Ouvido por ISTOÉ, o bluesman contou que o CD traduz tudo o que ele queria fazer.

Gravado em Oxford, Mississippi, num estúdio perdido no tempo, batizado justamente de Sweet tea, o álbum foi registrado em equipamento analógico – amplificadores, guitarras, microfones e máquinas de gravação – igual ao utilizado por ele nos discos que o tornaram uma lenda a partir dos anos 60. Mas não espere algo nostálgico ou datado. O som da bateria em Baby please don’t leave me, de Junior Kimbrough, por exemplo, parece efeito eletrônico, mas é genuinamente percussivo. “Antigamente se tocava assim. O responsável é um cara chamado Spam, baterista do próprio Kimbrough, que consegue tirar uma sonoridade típica dos anos 30 de seu instrumento. Ele deu o clima perfeito”, garante Buddy Guy. Há outras surpresas em Sweet tea, como a faixa de abertura, Done got old, na qual o músico surge brincando com um violão na sala do engenheiro de som, sem saber que está sendo gravado. O resultado soa como um disco perdido de Robert Johnson, o rei do blues de raízes.

Como reajustou o estilo, seria uma boa oportunidade para Buddy Guy voltar ao Brasil, país que ele diz amar e ao qual visitou pela primeira vez em 1985. Ele estava agendado, aliás, para uma nova temporada de shows a partir de 19 de setembro deste ano. Mas os atentados do dia 11 de setembro provocaram o cancelamento de vôos e ele não pôde vir. “Agora, é só me chamar que eu volto, menos em janeiro”, avisa. Este mês ele reserva para apresentar-se em clubes de Chicago, onde é dono do Legends, sucedâneo do célebre Checkerboard Lounge, espécie de antiga meca para Keith Richards – dos Rolling Stones –, Jeff Beck, Eric Clapton e outros seus fãs de estirpe. Ao falar do Brasil, o artista lembrou-se de uma história divertida. Na ocasião, ele tocava ao lado do gaitista e grande amigo Junior Wells, falecido em 1998. Valendo-se de um fio comprido, por minutos abandonou o palco e acabou indo parar no banheiro das mulheres. “Como hoje só uso guitarra sem fio, posso ir mais longe ainda”, diverte-se.