Amigo e parceiro dos mais queridos do poeta Vinicius de Moraes, o cantor, compositor e violonista Toquinho sempre se surpreendia com as tiradas bem humoradas do companheiro, com quem compôs vários sucessos, entre eles Tarde em Itapoã e Samba de Orly. Como sempre fazia em 11 anos de fecunda convivência artística e boêmia, um belo dia Toquinho dedilhou para Vinicius uma nova e bela melodia. O poetinha ouviu atentamente e sugeriu ao amigo que distribuísse a música a todos os letristas brasileiros para que eles fizessem um monte de canções em sua homenagem, dele, Vinicius. “Eu achei aquilo um pouco exagerado e dei a música para o Chico (Buarque)”, lembra Toquinho. Ele fez a letra e Vinicius, depois de ouvi-la, se deu por satisfeito. “Não precisa mandar para mais ninguém não, deixa esta mesmo”, teria dito o poeta. Ele se referia a Samba para Vinicius, composta em 1977. Esta e muitas outras histórias deliciosas da trajetória de Antonio Pecci Filho, o Toquinho, 55 anos e 38 de carreira, recheiam o DVD Toquinho (Biscoito Fino/Kau Laser), dirigido por Kaú Fernandes, que acaba de chegar às lojas.

Outra ótima lembrança do músico é contada antes de ele interpretar Regra três, uma das 26 músicas selecionadas entre as mais de 125 compostas só com o parceiro. Como não havia gostado da primeira letra feita por Vinicius, o violonista pediu ao parceiro que tentasse uma melhor. “Ele ficou muito bravo comigo”, conta. “Mas, lá quietinho, fez nova letra para mim, me dando um conselho: olha, se você não parar de namorar e não escolher uma só mulher na vida, você vai dançar, rapaz.” À época, supermulherengo, o hoje pai de dois filhos – Pedro, 18 anos, e Jade, nove – disse a ISTOÉ que Vinicius gostava de cutucá-lo no quesito fidelidade, embora ele próprio fosse um incorrigível dom-juan. “Ele sempre foi casado, mas com uma de cada vez, a cada dois meses”, brinca Toquinho. Não são estas tiradas, mas o chamado “casamento sem sexo”, ou seja, a longa parceria, que reserva a melhor parte do DVD. Nem poderia deixar de ser. Está lá, por exemplo, a belíssima Carta ao Tom, em dose dupla. Começa num registro em preto-e-branco e depois se funde numa versão mais recente, em cores, com Tom Jobim ao piano.

Itália – A parte musical não se restringe ao Brasil. Neto de imigrantes italianos, Toquinho considera a Itália sua segunda pátria, com toda a razão. Popularíssimo no país, ele foi o primeiro artista brasileiro a ganhar um disco de ouro no Exterior, mais precisamente na Itália. Hoje, coleciona outros dois. Seu diálogo com os peninsulares começou quando acompanhou Chico Buarque em seu auto-exílio, uma convivência que resultou no sucesso Samba de Orly, incluído no DVD. Chico ainda divide o palco com Toquinho num especial da emissora estatal RAI, cantando O que será (À flor da pele), que conta com a participação da cantora italiana Fiorella Mannoia. Pródigo em parcerias, Toquinho faz também belos duetos com Jorge Ben Jor, parceiro em Que maravilha, e com Gilberto Gil, numa releitura afinadíssima de Tarde em Itapoã, feita para um especial de Natal da antiga Rede Manchete. “Muitos de meus encontros e parcerias ficaram de fora. Era difícil reunir todos, e a Kaú Fernandes optou por pegar a nata da nata, fazendo uma síntese dos momentos importantes de minha carreira.”

Na seleção do material, a produtora e diretora conta que vasculhou todos os arquivos das emissoras de tevê brasileiras, pesquisando também na Itália e no Japão. Foram dois anos de trabalho que incluiu um cuidadoso processo de restauração digital de sons e imagens. Na abertura, uma jóia rara: imagens em preto-e-branco da infância de Toquinho, filmadas pelo pai, um fanático por cinema. Ao fundo, claro, a canção Aquarela, maior sucesso de Toquinho.

Para criar um fio condutor, Kaú o levou a um estúdio e gravou seus depoimentos e interpretações de canções-chaves de sua carreira, entre elas Na boca da noite, parceria com Paulo Vanzolini, com a qual concorreu ao Festival Internacional da Canção, da Rede Globo, em 1969. Desta forma, a diretora quis fugir do padrão normal dos DVDs, normalmente produzidos em cima de shows. “Não se trata de um documentário”, frisa ela. “Mas de uma cronologia mostrando quem entrou e como entrou na vida dele”, explica Kaú, que divide o tempo entre São Paulo e Miami, onde é dona de uma das maiores lojas de CDs e DVDs.