Toda criança já viveu algo parecido. Aquela sensação de ser dominada pelo terror depois de ganhar o boa-noite dos pais e a luz do quarto se apagar. Na escuridão, olhos assustados voltam-se para a porta do armário ou quem sabe para debaixo da cama, certos de que uma criatura terrível está pronta para atacar. Monstros S.A (Monsters, Inc., Estados Unidos, 2001), desenho da Pixar Animation Studios em parceria com a Walt Disney Pictures, que tem estréia nacional na sexta-feira 14, recria uma história deliciosa a partir deste pesadelo infantil. Recheado de situações absurdas, os monstros não só existem como são operários do susto numa sociedade nonsense, dependente dos gritos das crianças.

Como numa enorme linha de montagem, os “assustadores” têm acesso às portas dos milhões de armários de pimpolhos de todos os lugares do planeta. Diariamente, eles são obrigados a se desdobrar em caretas horrendas e urros selvagens só para arrancar os mais prolongados gritos de assombro, que são canalizados e depois transformados em energia vital para mover Monstrópolis. Ocorre que, em razão da modernidade, cada vez menos as crianças se assustam. Portanto, a cidade vive sob a ameaça de racionamento diante da quantidade exígua de gritos. Com este enredo engenhoso, a história se desenrola acelerada e divertida, chegando ao clímax no momento em que uma das crianças – consideradas seres tóxicos de alto poder de contaminação – escapa de seu quarto e invade a cidade. Para proteger a garotinha Bu de toda sorte de perigos, aparece o monstro James P. Sullivan, o Sulley, espécie de urso azul-esverdeado com manchas roxas e dois chifres, medindo 2,5 m de altura e pesando 370 quilos. Não por acaso sua voz é de John Goodman, quase tão grandalhão quanto ele em seu 1,85m. No papel de escudeiro está Mike Wazowski – uma bolinha verde com um enorme olho no meio –, com a voz do comediante Billy Cristal.

Apesar da aparência, a dupla de esquisitos esbanja simpatia. Integram um time de criaturas que têm invadido ultimamente os filmes infantis. No Natal do ano passado, por exemplo, quem assustava com seu hálito de cebola e mau humor atroz era a criatura verde vivida por Jim Carrey no filme O Grinch. No início deste ano, a DreamWorks, maior concorrente da Disney/Pixar, arrebanhou US$ 268 milhões com o ótimo Shrek, desenho cujo personagem principal era um ogro também verde e igualmente de humor péssimo. Mas no embate dos feiosos, a Disney/Pixar conseguiu ser mais ambiciosa. Shrek custou US$ 60 milhões, enquanto Monstros S.A. gastou US$ 115 milhões. A diferença se faz notar na tecnologia. O desenho consumiu 2,5 milhões de rendermarks, medida que quantifica a definição das texturas feitas por computador. Trata-se, portanto, de um espetáculo hiper-realista, com riqueza de detalhes de sombreamentos, iluminação, pêlos e cabelos de fazer babar. Realismo obtido depois que os profissionais envolvidos passaram meses pesquisando as texturas de pêlos de lhamas, iaques, bodes e cabras. Os movimentos também são um show à parte, obra de um software especial, criado pela Pixar e batizado de Geppetto. Nem tudo, porém, saiu dos computadores. Antes de serem digitalizados, os rostos dos personagens principais foram primeiro esculpidos em argila.

Mas todo este esforço seria inútil se a história fosse chata. Não é o caso.

Monstros S.A.

é daqueles desenhos que não entediam os adultos e são um excelente programa para as crianças. E, como sempre, os vilões roubam a cena. Desta vez é o lagarto rastejante de oito pernas, Randall Boggs, que provoca os maiores sustos com sua aparência repulsiva e poder de invisibilidade. São ingredientes esperados, é certo, mas, misturados ao talento e profissionalismo, renderam mais um bom produto na acirrada disputa pela simpatia da gurizada.