Aquela atmosfera carioca e a paisagem marítima de final de tarde traduzida na suavidade musical permanecem. Afinal, é um disco de Marina Lima, a compositora que melhor sabe interpretar o Rio de Janeiro, sem cair nos velhos e repisados clichês. Mas quem não tem seguido os mais recentes discos da cantora e compositora poderá estranhar sua guinada quase radical para o som eletrônico. Praticamente não existem mais os deliciosos solos de violão de aço e o balanço que por décadas caracterizaram seu trabalho de alternância solar, pop-roqueira e triste. A intenção já vinha se mostrando, musicalmente e em entrevistas, desde o lançamento do ótimo álbum Pierrot do Brasil, de 1998, no qual contou com a colaboração luxuosa de Suba, o falecido músico e produtor sérvio-croata. Agora, com o CD Setembro, Marina assumiu de vez seu namoro com a música que vem comandando as pistas dos clubes de todo o mundo. Sem, é claro, assimilar a sonoridade extremamente sintética e alucinante que governa a dance music e suas infinitas variações. Marina se influenciou por levadas mais leves – típicas da lounge music que embala as áreas de relaxamento das raves – e se exibe aos teclados e em truques eletrônicos de estúdio. Tudo muito cool, naturalmente, como manda seu estilo.

Quando se trata de Marina Lima, no entanto, há sempre a indissociável qualidade de letras escritas em sintonia com parceiros do nível de seu irmão Antonio Cícero ou Alvin L. Há algum tempo – depois de uma briga não revelada, muito menos assumida com Cícero –, eles voltaram a compor juntos, para o bem da música pop brasileira. As faixas

No escuro

e

Setembro

são bons exemplos da capacidade criativa da dupla. “E se você não me quiser/eu vou respeitar/isso é seguro/mas um dia foi você/que soube apontar/um futuro para nós dois”, diz com simplicidade desconcertante os versos de

No escuro

. Em parceria com Giovanni Bizzotto, com quem vem trabalhando há algum tempo, ela ainda compôs

Terra à vista

, canção na qual o violão de aço pilotado pelo autor, a guitarra de Gustavo Corsi e a percussão de Armando Marçal fazem a ponte perfeita entre o acústico-elétrico e a camada eletrônica de interferências sutis.

Notícias

, assinada por Marina, Dalto e Claudio Rabello, também retoca com muito estilo a nova maquiagem musical da artista. Estilo e delicadeza poética, como indicam os versos: “Só você pode me incendiar/pode acender a luz…/Me dê notícias desse amor/e o que ele faz pra não morrer.” Marina Lima abraçou a modernidade sem perder o prumo.