A deputada e médica cardiopediatra Jandira Feghali (PCdoB-RJ), mãe de dois filhos, está empenhada em um processo de convencimento corpo a corpo dos deputados integrantes da Comissão de Seguridade Social e Família. Ela quer saber como pensam seus pares para então colocar em votação, já na quarta-feira 30, o projeto que descriminaliza e autoriza o aborto até a 12ª semana de gravidez. Jandira, que é relatora do projeto (o texto original é de 1991, dos ex-deputados Sandra Starling e Eduardo Jorge), decidiu conversar com cada um dos parlamentares da comissão, depois de perceber que a questão está enveredando para um confronto entre ciência e fé. A gota d’água foi a realização, na terça-feira 22, de uma longa e agitada audiência pública na Câmara, que reuniu médicos, cientistas e personalidades públicas contra e a favor do tema. “Houve momentos em que me senti na Idade Média, temendo ser levada a uma fogueira, tal o tom das manifestações do público e até de alguns dos debatedores”, comentou.

A audiência foi realizada em duas etapas, pela manhã e à tarde, com a presença de quatro palestrantes a favor da liberalização do aborto e quatro contra. Para o médico Thomaz Gollop, diretor do Instituto de Medicina Fetal de São Paulo e uma das maiores autoridades brasileiras na especialidade médica, está na hora de a sociedade entender que o debate precisa deixar de ser passional e encarar o aborto não como uma questão criminal, mas de saúde pública. “Vinte e cinco por cento das mortes maternas ocorrem em conseqüência de abortos ilegais. Apenas na Grande São Paulo, morrem anualmente dez mil mães por causa de abortos clandestinos. A conseqüência é um gasto de R$ 30 milhões por ano ao SUS no atendimento às vítimas”, explica o dr. Thomaz Gollop. Ele destacou ainda que a legislação sobre o aborto, de 1940, está se tornando uma figura de ficção. “Nenhuma mulher é presa e condenada a três anos de detenção há muito tempo. Os juízes nem levam o caso ao júri popular”, afirma.

Outro participante do debate, o jurista Roberto Lorea, confirmou a ausência de condenações pela Justiça e mostrou que a atual legislação brasileira fere a legislação Pan-Americana e precisa ser mudada. Contrário ao aborto, o jurista Ives Gandra insistiu na tese de que a Constituição garantiria o “direito à vida desde a concepção”, mesma posição do ex-procurador-geral da República Cláudio Fonteles, também participante dos debates.