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Elas são missionárias da contemplação e raramente mantêm contato com o universo exterior ao local onde vivem. A última vez que as 14 freiras da Ordem da Imaculada Conceição deixaram a clausura no Mosteiro da Luz, em São Paulo, foi em maio do ano passado, para acompanhar a cerimônia de canonização de Frei Galvão. Na terça-feira 26, a descoberta de duas múmias, encontradas em túmulo na parede de uma sala do Museu de Arte Sacra, que funciona no mosteiro, abalou a rotina silenciosa das irmãs concepcionistas, responsáveis pela fabricação e distribuição das pílulas do primeiro santo brasileiro. Um achado arqueológico inédito no Brasil, curiosamente realizado na região central de uma das maiores metrópoles do mundo.

Segundo a diretoria do museu, os corpos foram localizados no sábado de Carnaval, durante uma inspeção em busca de foco de cupins, que estariam agindo e comprometendo estruturas históricas do local. As múmias apresentam estados diferentes de conservação. Uma delas mantém preservado cerca de 80% do corpo, ainda calça os sapatos e tem as mãos unidas na altura do peito. A outra é praticamente uma ossada e parece ter sido deslocada de sua posição original. Pedaços de tecido e restos de um terço também foram encontrados no túmulo. Não restam dúvidas de que existem outros corpos no local: há mais cinco tumbas na parede da sala e outras debaixo do piso. Um segundo túmulo começou a ser escavado e pedaços de um terceiro esqueleto foram encontrados. É possível que mais corpos estejam em estado de mumificação.

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PERÍCIA Os corpos em estado de mumificação no Mosteiro da Luz: análises científicas e históricas concluirão a origem e o tempo em que as freiras estavam nos túmulos. É provável que elas tenham sido enterradas em épocas diferentes. À esquerda, detalhe dos ossos e dos sapatos encontrados

Divulgada inicialmente como fortuita, a descoberta não foi mera obra do acaso. Era de conhecimento geral que a sala fora utilizada no passado como um cemitério das irmãs concepcionistas, entre a chegada delas ao Brasil, em 1774, e a morte de Frei Galvão, em 1822. Portanto, as múmias teriam cerca de 200 anos. “Antigamente, os enterramentos eram todos feitos dentro das igrejas, em terra considerada sagrada”, afirma Victor Hugo Mori, superintendente paulista do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). A escolha do túmulo a ser aberto para verificação da presença de cupins também não foi aleatória. Como a notícia da existência de um corpo muito bem conservado na sala já corria entre as freiras há décadas, decidiu-se abrir a tumba que provavelmente abrigaria a múmia.

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A conservação de cadáveres não condiz com as práticas católicas, e especialistas tentam explicar as condições que teriam proporcionado a mumificação natural dos corpos. “O fato de os túmulos estarem bem vedados e em um lugar alto e seco foi determinante”, afirma um dos integrantes da equipe responsável pela descoberta, Luiz Fontes, médico legista do IML e especialista em cupins. O diretor do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo (USP), José Luiz de Morais, porém, acredita que a presença de argila nos túmulos possa indicar a realização de um ritual específico de sepultamento. “É polêmico, mas creio que houve, sim, a intenção de se preservarem os corpos”, diz Morais.

Polêmicas, aliás, não faltarão no decorrer do caso. Os profissionais envolvidos ainda não chegaram a um consenso sobre quais rumos as análises científicas devem tomar. Enquanto uns querem o envio de material para os Estados Unidos para testes de DNA e de radiocarbono, a fim de determinar a origem e a idade dos cadáveres, outros defendem a realização dos procedimentos em território nacional. Paralelamente, já teve início uma pesquisa histórica nos diários pessoais das freiras e livros de tombo do mosteiro. Comandada pelo padre Armênio Rodrigues Nogueira, capelão do local, o levantamento pode tornar possível a identificação dos nomes das freiras mumificadas. Ao menos por enquanto, elas continuarão a ser chamadas pelas alcunhas de Irmã nº 1 e Irmã nº 2.

 

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