O ministro da Saúde, José Serra, é um homem de fama: carrancudo, obstinado, metódico, viciado em trabalho, autoritário, competente, hipocondríaco, notívago e por aí vai. Por isso mesmo, ele é a alegria dos contadores de histórias. Uma das últimas foi espalhada nos venenosos bastidores de Brasília para ilustrar sua propalada antipatia. Certo dia, foi abordado por um senhor que se apresentou como diretor de um importante hospital de São Paulo. Secamente, o ministro respondeu: “E daí?” Outra que circula pela capital é que durante uma reunião Serra pediu um sanduíche. Começou a comê-lo. Deixou no prato metade do lanche e só aí ofereceu aos demais: “Eu não quero mais. Alguém quer?” Na campanha para a Prefeitura de São Paulo, em 1996, militantes tucanos reclamavam de seu jeitão azedo. “Há dias que, se você der bom-dia a ele, corre o risco de ouvir: bom dia é na sua opinião”, ironizavam. O folclórico mau humor de Serra já foi explicado por tucanos paulistas: “O que se pode esperar de quem adora biscoitos de fibra?” A seu favor, no campo da culinária, está sua paixão por chocolates. Assim, há quem assegure que, no fundo, o ministro seja um doce, como dona Serafina. “Minha mãe me considera simpático. Os outros, não sei. Eu só tenho certeza a respeito de minha mãe”, defendeu-se o ministro.

Este paulistano da Mooca – filho único de um imigrante calabrês que vendia laranjas no mercado municipal de São Paulo –, casado com a psicóloga chilena Mônica Allende e pai de dois filhos, tem sangue quente. O ex-governador do Espírito Santo Vítor Buaiz sabe disso. Ministro do Planejamento no primeiro mandato de FHC, Serra ouviu barulho de gravador logo no início de uma audiência com Buaiz. Questionado, o governador explicou que o gravador era do jornalista amigo que estava na audiência. “Se quisesse dar entrevista, eu convocava. A audiência está encerrada”, explodiu Serra. O ministro é vítima da língua de seus próprios amigos. O boato de que só havia visto uma vaca aos 50 anos fez Serra explicar-se: “Foi invenção do Fernando Henrique. Na verdade vi aos 17 anos.” Sua fama já foi exportada. A revista americana Newsweek publicou, em novembro, reportagem rasgando elogios à atuação do ministro da Saúde, intitulada “O ministro guerrilheiro”. A revista compara a sua obstinação na luta contra a ditadura militar, na condição de presidente da União Nacional dos Estudantes e integrante do grupo esquerdista Ação Popular, com seu estilo à frente do Ministério da Saúde. Os exemplos são as batalhas vitoriosas contra os poderosos das indústrias do tabaco e farmacêutica. A revista ressalta outra fama, a de hipocondríaco, e conta que o ministro tem mania de lavar as mãos obsessivamente.

Nunca um ministro brasileiro conseguiu render tanta notícia lá fora. A revista Worldlink, do Fórum Econômico Mundial, escalou uma seleção mundial para compor o gabinete ministerial dos sonhos. Único brasileiro de um time de 14, Serra está em companhia de famosos como o secretário de Estado dos EUA, Colin Powell, o prefeito de Nova York, Rudolph Giuliani, e o secretário-geral da ONU, Kofi Annan. “O papel de Serra, ao trazer o problema da Aids para o topo da agenda da Saúde, e sua disposição de lutar contra os grandes da indústria farmacêutica (ameaçando quebrar patentes de remédios anti-Aids) são admiráveis”, justificou a revista. De fato, o ministro conseguiu dobrar até os EUA, que retirou queixa contra o Brasil na Organização Mundial do Comércio. Essa impetuosidade era clara na época em que morou no Chile, país que o abrigou depois do golpe de 1964, quando foi condenado a três anos de prisão à revelia. Exilados contam que, em Santiago, Serra arriscava-se levando brasileiros para pedirem asilo em embaixadas.

Ao contrário do amigo FHC, o economista José Serra, 59 anos, não tem jogo de cintura. Que político, senão Serra, seria capaz de bater boca com ídolos populares, como Xuxa? Ele criticou a apresentadora de tevê, mãe solteira, por ser um “mau exemplo” para as meninas. Até mesmo no futebol ele conseguiu fazer inimigos. Palmeirense fanático, o ministro não conteve a ira diante da eliminação de seu time do Campeonato Brasileiro em 1998, depois de perder para o Cruzeiro. A serra afiada atingiu o técnico Luiz Felipe Scolari, hoje da Seleção, culpado pela derrota. Na política ele coleciona alvos, como o ministro da Fazenda, Pedro Malan, o ex-ministro da Previdência Social Waldeck Ornélas e o pré-candidato a presidente pelo PPS Ciro Gomes. Tido como um sem-carisma, Serra elegeu-se duas vezes deputado federal e, depois, senador. Mas tem duas derrotas para a Prefeitura de São Paulo, em 1988 e em 1996. “Não existe essa história de que um político está fadado a perder eleição. Não basta ser só competente ou só simpático. É preciso fazer uma equação. Serra não foi exposto ainda como Roseana. Bem vendido, o ministro será um candidato fortíssimo”, aposta o publicitário Chico Malfitani.

Mas Serra ainda não conseguiu apoio unânime para lançar-se candidato a presidente. Familiares de Mário Covas defendem Tasso Jereissati. O presidente nacional do partido, deputado José Aníbal, é um dos que se movimentam nos bastidores contra Serra. O presidente da Câmara dos Deputados, Aécio Neves, também tenta cacifar seu próprio nome. A candidatura de Roseana Sarney (PFL) consolidou-se, ao manter-se em segundo lugar nas pesquisas de opinião, atrás de Lula (PT). Serra, porém, ainda não decolou. “Muita água vai rolar. O PSDB vai construir a sua candidatura”, afirma o presidente do partido em São Paulo, deputado Edson Aparecido. Resta saber se Serra vai fazer juz à fama de ministro-guerrilheiro na batalha da sucessão.