Dois hambúrgueres, alface, queijo, molho especial, cebola e picles num pão com gergelim. Esta, como até as crianças sabem, é a fórmula do Big Mac, o indefectível sanduíche da cadeia McDonald’s. Mas até quando se manterá assim? Inaugurada em 1948, a empresa anunciou neste começo de janeiro que em breve mudará a receita e mexerá em ingredientes tradicionais de sua linha de produtos. A bem da verdade, há quase um ano seus mestres-cucas já vêm cortando gorduras, diminuindo quantidades de sal e tentando travestir o menu com roupagem mais saudável. As batatas fritas, por exemplo, já não são mergulhadas naquela alquimia oleosa, cujo segredo do sabor era a inclusão de banha animal. Esse detalhe, diga-se, foi o estopim da revolução por que passa agora a velha rede. Hindus da seita sikh vivendo nos EUA, vegetarianos acostumados a comer as batatinhas, descobriram que o gosto especial da iguaria era creditado à gordura de carne de vaca. O bicho é sagrado para esses fiéis. O processo que moveram deu um prejuízo de US$ 12 milhões aos bolsos de Ronald McDonald, num acordo fora da corte em março do ano passado. Em novembro viria outra pancada: em nome de crianças gordinhas, o advogado Samuel Hirseh entrou na Corte Federal de Manhattan com uma ação popular contra a empresa. Diz que a origem de males como diabete, pressão alta e obesidade mórbida em seus clientes se deve ao cardápio da casa.

O processo, é claro, virou piada na boca do povo, mas em Oak Brook,
no Estado de Illinois, onde está plantada a sede da McDonald’s, ninguém está rindo. “Esta ação é frívola, mas suas consequências podem ser sérias”, afirma Walt Riker, o porta-voz da empresa. Ele está coberto
de razão: mal a briga começou, as ações da companhia na Bolsa de Valores de Nova York tiveram sua maior desvalorização em sete anos.
Em dezembro, após todos esses baques, a McDonald’s anunciava o primeiro prejuízo de sua história, fechando o último trimestre de 2002
com perdas de US$ 390 milhões. “Existem paralelos entre esta ação
e aquela contra a indústria do tabaco. Em ambas, alega-se que
as empresas não alertaram seus clientes dos perigos à saúde que poderiam ocorrer com o consumo de seus produtos. E essas coisas, quando começam, acabam criando vida própria”, avalia o jurista John Braker, co-presidente da Associação dos Advogados de Nova York.

Diabete – De concreto, o que se apresenta diante do juiz são dez adolescentes. Juntos, eles perfazem uma tonelada. A balança da Justiça deverá decidir se o consumo conspícuo de Big Macs, milk shakes, batatinhas e outros itens foi incutido como vício nesses jovens, causando a cada um sérios problemas de saúde. “Não sabia que a comida do McDonald’s fazia mal a meu filho. Pensei que era algo saudável”, jurou Ruth Rhymes ao juiz. Ela é mãe de Gregory Rhymes, 15 anos, nove dos quais vividos com várias refeições diárias num McDonald’s. Ele pesa 182 quilos, embutidos em 1,70m. “Normalmente peço Big Mac com fritas, Coca-Cola e sorvete. Tudo em tamanho super”, disse o garoto a ISTOÉ.

Jazlyn Bradley, 19 anos, 102 quilos e 1,68m, faz sua lista. “Começo o dia com McMuffin (sanduíche de ovo frito com queijo) e termino com Big Mac e torta de maçã”, conta. Ashley Perlman, 14 anos e 1,57m, vai de Happy Meal (cheeseburguer, fritas, refrigerante e biscoito), pois é colecionadora ávida dos brinquedos que vêm com o lanche. Colecionou também gordura e colesterol: está com 100 quilos. Essas pessoas têm em comum, além da ação, os rigores da diabete. “A rede sabe que se uma criança se alimenta lá mais de uma vez por semana, ela pode desenvolver diabete. Mesmo assim, não faz alertas”, diz o advogado Hirseh. “McDonald’s virou uma coisa tóxica insinuante. Ninguém acha que pode ser insalubre”, completa.

A empresa se defendeu, a princípio, pedindo o arquivamento do processo. “Uma pessoa não fica gorda da noite para o dia”, argumenta o advogado da rede, Brad Lerman. “Além disso, a Associação Americana de Diabete diz que qualquer comida pode ser servida numa dieta saudável e que a obesidade é causada por vários fatores, como vida sedentária”, explica. O juiz não parece ser muito favorável às crianças diabéticas. A começar por seu nome, Robert Sweet (“doce” na tradução). Ele já arquivou dois processos vinculados à causa, mas ainda está para decidir se deixa a ação principal continuar. De qualquer modo, a McDonald’s está atenta. No Brasil, desde dezembro a rede fornece tabelas com os valores calóricos e o perfil nutricional de seus lanches (o Cheddar McMelt, por exemplo, tem 460 calorias e o Big Mac, 490). Na França, a filial local já fixou em suas paredes alertas sobre os perigos do consumo frequente dos produtos. Se o juiz Sweet deixar a briga continuar em Nova York, a moda pode pegar. É possível que, em breve, as embalagens venham com o aviso. “O Ministério da Saúde adverte: este hambúrguer faz mal à saúde.”